Artigos Científicos

Aulas de Matemática nos anos iniciais: números e operações em um início de integração de tecnologias digitais...

Mathematics classes in the initial years: numbers and operations in a beginning of integration of digital technologies…

Clases de matemáticas en los primeros años: números y operaciones en un comienzo de integración de tecnologías digitales ...

Ivanete Fátima Blauth
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) , Brasil
Suely Scherer
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil

Revista de Educação Matemática

Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil

ISSN: 2526-9062

ISSN-e: 1676-8868

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 18, 2021

sbem.sp.revista@gmail.com

Recepção: 19 Outubro 2020

Aprovação: 06 Dezembro 2020

Publicado: 01 Janeiro 2021



DOI: https://doi.org/10.37001/remat25269062v17id464

Copyright Revista de Educação Matemática 2021.

Resumo: Este artigo apresenta alguns resultados de uma pesquisa desenvolvida em uma escola pública de Campo Grande/MS, que teve a participação de pesquisadores de uma universidade pública e de cinco professoras que atuam com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, nesta escola, em que foram realizadas ações de formação continuada em serviço com/para a integração de tecnologias digitais ao currículo. A pesquisa teve como objetivo analisar a construção de conhecimentos tecnológicos e pedagógicos de conteúdo das professoras, ao participarem de um processo de formação, no espaço da escola em que atuam. Nesse artigo, orientados pelo objetivo da pesquisa e pelo referencial teórico, nos deteremos a analisar dados produzidos em reuniões de planejamentos para aulas de Matemática, realizadas com uma professora, durante o primeiro semestre de 2017. Para a análise dos dados, alguns movimentos dessas reuniões foram transcritos a partir da gravação em áudio, e são reescritos aqui em forma de narrativa. Os resultados da análise apontam que o processo de formação de professores no modelo realizado possibilitou/potencializou que a construção de conhecimentos para a integração de tecnologias digitais ao currículo acontecesse pela professora, ao vivenciar os desafios, as incertezas e as desordens que se fizeram presentes no contexto escolar.

Palavras-chave: Formação de professores, Base Blocks, Números e Operações.

Abstract: This article presents some results of a research developed in a public school in Campo Grande/MS, that had the participation of researchers from a public university and five teachers who work with students in the early years of elementary school, in this school, where they continuous in-service training was carried out with/for the integration of digital technologies into the curriculum. The research aimed to analyze the construction of technological pedagogical content knowledge of teachers, when participating in a training process, in the space of the school that they work. In this article, guided by the research objective and the theoretical frame, we will analyze the data produced in planning meetings for Mathematics classes, held with a teacher, during the first semester of 2017. For data analysis, some movements from these meetings were transcribed from the audio recording and are rewritten here in the form of a narrative. The results of the analysis point that the teacher training process in the model made it possible/enhanced that the construction of knowledge for the integration of digital technologies in the curriculum happened by the teacher, when experiencing the challenges, uncertainties and disorders that are present in the school context.

Keywords: Teacher training, Base Blocks, Fundamental operations.

Resumen: Este artículo presenta algunos resultados de una investigación desarrollada en una escuela pública de Campo Grande/MS, que contó con la participación de investigadores de una universidad pública y cinco docentes que trabajan con estudiantes en los primeros años de la escuela primaria. En esta escuela se llevó a cabo una formación continua en servicio con/para la integración de tecnologías digitales en el plan de estudios. La investigación tuvo como objetivo analizar la construcción del conocimiento tecnológico y pedagógico del contenido de los docentes, al participar de un proceso de formación, en el espacio de la escuela en que trabajaban. En este artículo, guiados por el objetivo de investigación y por el referencial teórico, nos detendremos a analizar los datos producidos en las reuniones de planificación de las clases de Matemáticas, realizadas con un docente, durante el primer semestre de 2017. Para el análisis de datos, algunos movimientos de estos encuentros se transcribieron de la grabación de audio y se reescriben aquí en forma de narración. Los resultados del análisis muestran que el proceso de formación docente en el modelo realizado posibilitó/potenció que la construcción del conocimiento para la integración de las tecnologías digitales en el currículo aconteciera por parte del docente, al experimentar los desafíos, las incertidumbres y confusiones que se hicieron presentes en el contexto escolar.

Palabras clave: Formación docente, Base Blocks, Operaciones fundamentales.

Introdução

Queremos iniciar esse texto com uma frase usada por Nelson Motta e Lulu Santos (1983) na música intitulada Como uma Onda: “Tudo que se vê não é... Igual ao que a gente viu há um segundo... Tudo muda... o tempo todo... no mundo”. Desse modo, parafraseando esses compositores, podemos pensar em tecnologias digitais, e também na nossa vida, que se modifica com as diferentes interações, inclusive aquelas imbricadas aos movimentos de evolução das tecnologias, que estão em constante transformação. Isso está de acordo com Kenski (2012, p. 21), quando afirmou que “o homem transita culturalmente mediado pelas tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas transformam sua maneira de pensar, sentir, agir”.

No contexto atual, com a presença crescente das tecnologias digitais (celular, smartphone, computador) na vida de muitas pessoas, principalmente quando conectadas à internet, podemos pensar em uma cultura digital que “está relacionada à comunicação e à conectividade global, ao acesso e à produção de conteúdo de forma veloz, interconectada, autônoma e mediada pelo digital” (HEINSFELD; PISCHETOLA, 2017, p. 1352). Ou seja, essas tecnologias, no contexto em que se apresentam, se transformam e podem transformar muitas vidas a partir das relações e interações que surgem.

Assim, faz sentido dialogar sobre possibilidades de integrar essas tecnologias digitais também a processos educacionais, ao currículo escolar, produzindo novos currículos, uma vez que de acordo com Almeida e Valente (2011, p. 6), essas tecnologias “influenciam o processo de estruturação do nosso pensamento e, em especial, o modo de ser, agir e pensar das gerações que hoje frequentam nossas salas de aula”. É pertinente pensar em modos outros de educar com essas tecnologias, de construir conhecimentos com elas, para que possamos integrar, articular, refletir ... sem excluir, de uma forma em que se possa “dar voz aos autores que trabalham com esses conceitos e tecer cuidadosamente fio por fio as linhas que propiciam juntar o que foi gerado em separado: o currículo e as tecnologias” (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 10).

Nesse contexto, desenvolvemos uma pesquisa a partir de um movimento de formação continuada de professores para integração de tecnologias digitais ao currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental, às suas práticas de sala de aula. Uma formação continuada em serviço que contemplou ações complexas como desafios com “acaso, imprevisto, iniciativa, decisão, consciência das derivas e transformações” (MORIN, 2015, p. 81), e que está de acordo com as ideias de Gatti (2017, p. 731), de que “não há como pensar a formação de professores para a educação básica sem levar em conta um cenário de qualificação para a educação nas escolas, refletindo e tendo no horizonte os propósitos para a educação básica”.

O objetivo da pesquisa foi o de analisar a construção de conhecimentos tecnológicos e pedagógicos de conteúdo das professoras, ao participarem de um processo de formação, no espaço da escola em que atuam. Nesse artigo, orientados por esse objetivo e por alguns estudos teóricos de Becker (2012) que nos ajudam a compreender como um processo de formação continuada em serviço pode favorecer construções de conhecimentos pelas professoras, em movimentos com/para a integração de tecnologias digitais ao currículo (SANCHEZ, 2003), nos deteremos a analisar dados produzidos em reuniões de planejamentos para aulas de Matemática, realizadas com uma professora, durante o primeiro semestre de 2017. Foram analisados alguns movimentos a partir desse processo de formação de professores que ocorreu em uma escola pública de Campo Grande/MS, no qual tivemos a oportunidade de vivenciar junto com as professoras alguns dos desafios que vivem na escola, ao discutir possibilidades de integração de tecnologias digitais ao currículo.

Assim, inicialmente serão apresentados alguns movimentos do processo de formação vivenciados e experienciados nessa escola, para em seguida, em formato de narrativa, apresentarmos uma análise de reuniões de planejamentos (uma das ações de formação) de aulas de matemática com uma das professoras parceiras. Optamos por analisar algumas reuniões em que foi discutido o uso do aplicativo Base Blocks[3] com uma professora que atua com alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, durante um semestre letivo, enfatizando o processo de construção de conhecimentos dessa professora, se modificando/transformando na ação/processo de formação.

Formação continuada em serviço: um processo para integrar tecnologias digitais ao currículo

Nessa seção serão apresentados alguns movimentos ocorridos durante um processo de formação continuada, em serviço, com ações intensas durante dois anos (2017 e 2018), em uma escola pública de Campo Grande/MS. As ações desse processo de pesquisa/formação foram propostas a partir de uma pesquisa financiada e aprovada na chamada FUNDECT/CAPES Nº 11/2015 EDUCA MS CIÊNCIA E EDUCAÇÃO BÁSICA, intitulada “Integração de Tecnologias Digitais ao Currículo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Desafios para/na Inovação, e contaram com a participação ativa de três pesquisadoras (duas delas, as autoras desse artigo) de uma universidade pública do Mato Grosso do Sul, e a parceria com cinco professoras efetivas que atuavam nesta escola, com alunos em turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

A pesquisa desenvolvida em parceria com essas professoras consistiu em um processo de formação continuada em serviço, pois ao vivenciar esse tipo de formação

o professor não é removido do seu contexto e aprende, usando a sua experiência como objeto de reflexão e de depuração. Essa depuração é realizada com o apoio de um especialista que deve vivenciar a escola como um todo e resolver, juntamente com o professor, as questões de ordem pedagógicas e administrativas para viabilizar a implantação da informática na escola” (VALENTE, 1999, p. 141).

Dessa forma, como pesquisadoras, ao vivenciar alguns movimentos na escola com essas professoras, tivemos a oportunidade de nos aproximar do contexto e realidade em que as professoras atuam, o que está de acordo com a ideias de Gatti (2017, p. 722), ao escrever que “pensar e fazer a formação de professores envolve considerar condições situacionais e conscientizar-se das finalidades dessa formação, considerar os porquês, o para quê e o para quem é realizada essa formação, assumindo compromissos éticos e sociais”.

Uma pesquisa e um processo de formação pensados para professores dos anos iniciais, para dialogar também sobre suas aulas de matemática. Fiorentini, Passos e Lima (2016, p.173), em uma de suas pesquisas, afirmaram que “[...] o professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com formação integrada e não disciplinar, parece necessitar de mais atenção dos pesquisadores que se dedicam a estudar a formação inicial do professor que ensina Matemática”. Por acreditarmos que essa atenção se estende para os pesquisadores da formação continuada, consideramos ser importante acompanhar/vivenciar ações junto com os professores em seu ambiente de trabalho, estudando, dialogando, observando diferentes movimentos que ocorrem na escola.

Até porque consideramos que a escola é um organismo vivo, composto por professores, alunos, coordenadores, pais, sociedade e por isso, está em constante transformação, e precisa se (re)pensar também no contexto da cultura digital, auto-eco-organizando-se[4]. Nesse contexto, nesse processo de transformações, iniciamos as ações com as professoras parceiras, realizando encontros com o objetivo de vivenciar o processo de integrar tecnologias digitais ao currículo. As ações dessa formação foram constituídas principalmente por: reuniões quinzenais individuais com cada professora para planejamento de aulas; reuniões coletivas de planejamento e avaliação das ações; observação de algumas aulas desenvolvidas; e oficinas contemplando algum tema ou tecnologia que fosse de interesse das professoras.

Desse modo, podemos dizer que os movimentos vivenciados na escola, junto com as professoras, eram momentos de aprendizagem, tanto para nós pesquisadoras, que podíamos sentir/experienciar o contato com movimentos da escola, quanto para as professoras que podiam dialogar sobre o currículo em ação na escola, interagir com tecnologias digitais, pensar sobre diferentes usos delas em suas aulas, desenvolver com seus alunos, na ação, e refletir sobre as potencialidades, novidades e dificuldades que surgem no movimento de integrar tecnologias digitais ao currículo.

Nesse artigo iremos narrar e analisar encontros de planejamento com uma das professoras. Optamos por apresentar dados em forma de narrativa pois acreditamos, como Clandinin e Conelly (2015), que ao acompanhar as ações da pesquisa, pudemos ouvir, observar, viver ao lado dessas professoras, para agora contar uma versão da ação vivenciada. Mesmo porque quem conta a experiência vivenciada somos nós, as pesquisadoras, que escrevemos, interpretando ou (re)interpretando o que foi vivenciado naquele momento. Sempre podemos ter novas versões criadas por nós mesmas, até porque “tudo que se vê não é Igual ao que a gente viu há um segundo” (MOTTA; SANTOS, 1983). E por esse motivo, cada narrativa constituída por “falas de uma professora” representa um olhar, uma interpretação, em determinada situação, a partir da dinamicidade que envolveu nossas vidas (pesquisadoras e professora) nesse processo, considerando o contexto que vivenciamos.

Devido a esse movimento ter ocorrido durante dois anos na escola, muitas ações foram desenvolvidas e vivenciadas. Desse modo, como em tudo na vida, tivemos que fazer escolhas para apresentar dados da pesquisa. Nós tivemos encontros com as cinco professoras, em que foram planejadas atividades para todas as disciplinas que elas lecionavam, e tiveram outros movimentos, até mesmo em/para aulas de Matemática. No entanto, nesse artigo optamos por apresentar e analisar, orientados pelo objetivo da pesquisa, a partir de uma narrativa, apenas alguns diálogos que ocorreram em reuniões de planejamento de aulas de Matemática. São reuniões realizadas durante um semestre letivo, em que se discutiu o uso do aplicativo Base Blocks em processos de integração de tecnologias digitais ao currículo de matemática.

Ações de planejamento para aulas de Matemática com/para o uso do aplicativo Base Blocks

Nessa seção analisamos um processo vivenciado em reuniões de planejamento, durante um semestre letivo, em que se discutiu também propostas para aulas de matemática (pois as reuniões de planejamento tinham por objetivo discutir propostas para outras áreas), com uma professora, que atuava com alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. A professora Ana (nome fictício), que no período atuava há oito anos como professora nos anos iniciais, foi uma das professoras que se inscreveu desde o início da proposta de formação. Sempre se mostrou muito interessada, comprometida e preocupada com a aprendizagem de seus alunos, ao mesmo tempo que estava motivada ao querer conhecer/aprender mais sobre as tecnologias digitais, e em como utilizá-las em suas aulas.

Para as reuniões de planejamento, além do seu longo percurso de experiências, práticas e histórias para contar, Ana sempre trazia uma maleta mágica (apelido carinhoso que demos a ela durante o processo), na qual havia uma variedade de atividades, ideias, propostas, um verdadeiro repositório ambulante de atividades, que ela poderia modificar e desenvolver em aula com os alunos. Mas ela queria mais, ela pretendia explorar tecnologias digitais em suas aulas. Isso porque ela acreditava que com as tecnologias, talvez conseguiria fazer com que os alunos compreendessem melhor alguns conteúdos da Matemática que em anos anteriores representaram o seu maior desafio nas/para ações de ensino e de aprendizagem.

Iremos contar sobre algumas reuniões com Ana no primeiro bimestre de 2017. Cada encontro durava aproximadamente uma hora, e ocorria no horário destinado ao planejamento das professoras na escola. Em cada reunião, conversávamos a respeito de conteúdos que eram propostos nas Orientações Curricular[5], sobre inquietações e dúvidas de Ana, sobre questões de conteúdo/avaliação/aprendizagem com sua turma de alunos ou algo que a desafiava em relação a algum aluno em específico. Os diálogos geralmente iniciavam por ideias ou questionamentos da professora, e quando possível, pensávamos juntas em alguma tecnologia digital que pudesse ser integrada às suas aulas. Nesse caso, vamos dialogar sobre o processo vivenciado ao planejar aulas de Matemática, com a professora Ana, em que propusemos o uso de um aplicativo a ser integrado às aulas de sua turma de 3º ano.

Vale lembrar que integrar tecnologias digitais ao currículo, não é apenas fazer uso, pois de acordo com Sánchez (2003, p. 52) “integrar é torná-las parte do currículo, vinculando-as harmoniosamente com os demais componentes do currículo. É usá-las como parte integrante do currículo e não como um apêndice, não como um recurso periférico”. É integrar o que se tem disponível, sem excluir nada, sem esquecer o que se usava nas aulas, mas fazer movimentos diferentes integrando esse recurso ao que se tinha/têm. Ou seja, para as aulas da professora Ana podemos pensar em integrar tecnologias digitais, sem esquecer dos materiais da maleta mágica, e sem que a cena esteja voltada para a tecnologia digital, mas que o foco esteja na aprendizagem de conceitos a serem explorados.

Para as aulas de Matemática do 3º ano um dos eixos previstos nas Orientações Curriculares, que perpassava todo o semestre, era o de números e operações, com conteúdos relacionados ao sistema de numeração decimal. Um conteúdo, que de acordo com o Guia de curso do Pró-Letramento (2008, p. 07), é muito importante, pois “a construção dos números naturais pela criança é a base para a ampliação do campo numérico que a vida em sociedade exige, como os números inteiros e racionais”. Mas, de acordo com a professora Ana, é um dos conteúdos que os alunos dela sempre apresentavam maior dificuldade de aprender. Isto posto, optamos por dialogar com a professora sobre o uso do aplicativo Base Blocks.

Ao mesmo tempo, optamos em acompanhar o processo de construção de Conhecimento Tecnológico Pedagógico de Conteúdo (CTPC) da professora, ao planejar/desenvolver/refletir sobre as potencialidades e limitações de uso desse aplicativo em/para aulas de matemática. O CTPC de acordo com estudos de Mishra e Koehler (2006), é um conhecimento amplo que envolve a inter-relação entre os três conhecimentos (pedagógico, tecnológico e de conteúdo). É o conhecimento do uso de tecnologias para ensinar e aprender um conteúdo específico, ou seja, o conhecimento do professor sobre o conteúdo que deseja ensinar e como ensiná-lo (processos, estratégias de ensino) utilizando-se de tecnologias.

Desse modo, iniciamos a nossa análise narrando alguns encontros de planejamento, lembrando que não consideramos o planejamento como algo pronto e acabado, mas como um pensar sobre ações, na/para a prática, que pode ser (re)pensado, modificado, transformado constantemente na ação, interação com alunos na sala de aula. Iremos narrar em forma de diários, ou seja, por data dos encontros.

Reunião de Planejamento 07/02/2017

Nesse primeiro encontro, apresentamos para a professora o aplicativo Base Blocks, um aplicativo que ela não conhecia. Por esse motivo, realizamos um momento de apresentação. Mais que isso, foi um momento de exploração, de interação, de pensar sobre possibilidades de uso dessa tecnologia em aulas. Na Figura 1 apresentamos a interface do aplicativo explorado nesse encontro.

Interface do Base Blocks
Figura 1
Interface do Base Blocks
Imagens a partir do aplicativo disponível em http://nlvm.usu.edu.

Depois desse primeiro contato com o aplicativo, a professora Ana solicitou mais um momento de formação individual, para que ela pudesse explorá-lo melhor. Diante dessa solicitação, agendamos um horário no Laboratório de Informática, para que ela pudesse pensar em possibilidades de uso do aplicativo, integrado ao uso da lousa digital (uma tecnologia que estava presente na escola, mas que até aquele momento não era muito utilizada em aulas). Conversamos sobre a possibilidade de pensar em um espaço adequado para instalação da lousa digital em sala (em uma parede lisa), que não seja tão alta, que esteja ao alcance dos alunos para ser manuseada, e com uma boa área de projeção. A professora manuseou, interagiu com a lousa e o aplicativo, aprendendo, pensando, questionando, tirando dúvidas e saiu animada do encontro, pois segundo ela “precisava treinar”, se referindo à possibilidade de mexer no aplicativo e na lousa digital, explorar suas potencialidades e recursos, para depois utilizá-las em aulas.

Esse movimento de interesse, de solicitar mais um momento/encontro de formação, de interações e de diálogos, podemos considerar como um processo de construção de conhecimentos, uma vez que de acordo com Becker (2012, p 167) “a aprendizagem deve ser entendida como obra da ação do indivíduo ou sujeito do conhecimento”. Sublinhamos ação, pois esse mesmo autor considera que

as ações que produzem conhecimento são aquelas das quais o sujeito se apropria, tematizando-a ou tornando-a objeto de seu interesse, de sua reflexão. O certo é que não se chega a construções cognitivas novas sem envolvimento da ação do sujeito; ação praticada, em seguida apropriada e, então, transformada em algo novo. Para que o sujeito faça isso ele precisa de motivo, estar interessado, sentir desejo; caso contrário, não o fará” (BECKER, 2012, p. 162).

Nesse sentido, podemos dizer que a professora, a partir dos conhecimentos que possuía, construídos também na experiência de vários anos em sala de aula com alunos, estava interessada, querendo aprender a usar essas tecnologias, que eram novidade para suas práticas pedagógicas. Até porque, esse movimento de análise do uso dessa tecnologia continuou na reunião de planejamento seguinte. Além do fato de entre um planejamento e outro, a professora poder (re)planejar suas aulas, de acordo com o interesse e necessidades que surgiam no cotidiano de sua sala de aula. Desse modo, como estávamos iniciando as ações com/para uso do aplicativo, nessa primeira quinzena de aulas, a partir do que foi desenvolvido e dialogado no encontro anterior, a professora procurou estudar mais sobre o uso desse aplicativo e da lousa digital em suas aulas, com seus alunos.

Reunião de Planejamento 24/02/2017

Para iniciar esse encontro a professora fez uma análise de possibilidades de uso da lousa digital em aulas, mas ao mesmo tempo, observou que existem cuidados que se deve tomar, em sala de aula. Ana comentou que: “a lousa digital é um recurso, não é só um recurso que vai auxiliar no ensino, é um recurso que vai ensinar a criança aprender certo [...] que vai facilitar lá na frente depois, é uma base bem pensada, é um jeito de ensinar mais correto [...] mas tem a dificuldade, a lousa é pequena, são 33 alunos, ficam os fios, eles não respeitam muito.”

Consideramos que essa fala de Ana apresenta diferentes conhecimentos pedagógicos (processos de ensinar e de aprender, quantidade de alunos, comportamentos e atitudes dos alunos, estrutura da sala de aula, dentre outros), que podem estar se (re)construindo, ao interagir/aprender, ao utilizar tecnologias digitais, durante o processo de formação. Nesse movimento, há indícios de que outros conhecimentos podem estar sendo construídos pela professora. Isso porque ela estava atenta a possibilidades de modificar suas aulas a partir dessas tecnologias, e em suas reflexões, aponta alguns cuidados que se fazem necessários ao pensar a aula, e são diferentes, quando se faz uso dessas tecnologias (lousa digital, projetor multimídia, notebook), que são conectadas (via fiação) à energia elétrica.

Esses encontros não foram apenas momentos para planejar, mas para refletir sobre a prática, pensar sobre o que poderia ser diferente, ou ainda modificar o que foi planejado tendo em vista as dificuldades e desafios existentes no cotidiano escolar. Por isso no dia desse encontro, a professora fez a reflexão sobre o uso da lousa digital, porém apresentava um semblante triste. Isso porque ela havia planejado uma aula para explorar o aplicativo com a lousa digital, mas ressaltou que a lousa não funcionou, mas trouxe reflexões importantes sobre a possibilidade de uso da lousa digital. Lembrou que o professor responsável pela sala de tecnologias ficou por algum tempo tentando calibrar a lousa em sua sala de aula, mas não conseguiu. Para aproveitar o tempo da aula, Ana explorou o que chamou de plano B: fez atividade escrita na sala de aula, brincou o Jogo das Mãos, utilizou material dourado manipulável, mas não era o que esperava da aula. Ou seja, Ana teve que (re)construir seu planejamento na ação, modificando sua aula.

Para animá-la e pensar em outras possibilidades para uso do aplicativo em aula, sugerimos que quando isso acontece, ela pode usá-lo articulado ao notebook e projetor multimídia. É claro que os movimentos não seriam os mesmos, pois os alunos não poderiam manipular o aplicativo na lousa, com a caneta, mas poderiam mexer no mouse, e visualizar a tela do notebook projetada em tamanho maior, no quadro, ou em uma parede da sala. Pensamos que se poderia fazer uma nova tentativa. A partir das preocupações da professora (relacionadas a dificuldades dos alunos) e do que vinha explorando nas aulas, planejamos explorar composição de números na base decimal, a partir da representação no aplicativo. Isso porque de acordo com o Guia de curso do Pró-Letramento (2008, p. 07), “as experiências iniciais são muito importantes neste longo processo, e cabe à escola ajudar na construção do pensamento matemático da criança”. Nas Figuras 2 e 3 representamos dois dos números explorados no encontro de formação/planejamento daquele dia.

Representação do número 7 no aplicativo
Figura 2
Representação do número 7 no aplicativo
dados da pesquisa (2017)

A partir da Figura 2 exploramos a representação da quantidade 7. Conversamos que se pode solicitar que os alunos contem juntos as unidades, para conferir se realmente aparecem 7 cubinhos, mesmo que o numeral 7 está representado ali ao lado, mostrando a quantidade de cubinhos representados. Na Figura 3 apresentamos o processo para representar outro número.

Sequência explorada para representar o número 12
Figura 3
Sequência explorada para representar o número 12
dados da pesquisa (2017)

Na Figura 3 exploramos a representação da quantidade 12. Inicialmente inserindo 12 cubinhos (podemos ver que o numeral não mais aparece ao lado da representação). Pode-se inclusive falar aos alunos que o numeral sumiu, perguntando: o que aconteceu com ele? Em seguida, aparece a imagem do processo de selecionar os cubinhos para juntá-los, agrupá-los em uma barra de 10 unidades. Reparem que o numeral ainda não aparece. Só ao final, quando arrastamos a barra (com os 10 cubinhos agrupados) para a coluna das dezenas, é que o numeral reaparece. Por que isso acontece? Será passe de mágica? Não! Sugerimos que se pode inclusive contar ou ler uma história de como surgiu o sistema de numeração decimal com os alunos.

E sugerimos que a professora explorasse outros números e pode pedir que os alunos interajam, façam algumas representações, que os colegas ajudem o aluno que estiver manipulando a lousa a contar, a fazer os agrupamentos, e assim representar a quantidade solicitada. A ideia é que os alunos testem, troquem ideias, conjecturem possibilidades até descobrirem que esse aplicativo apenas representa em numerais quando todos os agrupamentos (se necessário) estiverem em suas devidas colunas. Além disso, os alunos podem notar/observar que existe a possibilidade de selecionar direto as barrinhas (dezenas) no aplicativo, sem fazer todo processo de agrupamentos para representar quantidades maiores.

Por compreendermos que a construção do número a partir da representação é um processo muito importante para a aprendizagem dos alunos, sendo uma base epistemológica para que a criança possa depois compreender operações como a adição, a subtração, multiplicação, divisão... (operações que resultam/necessitam dessa representação), pensamos que a professora poderia trabalhar várias aulas com esse conteúdo. Sem acelerar o processo de compreensão da composição e decomposição dos números na base decimal, e suas representações. Fato que despertou certa preocupação na professora, que comentou que “esse não apressar, quando olho que tem que cumprir esse currículo, eu acabo pensando que não vai dar certo, eu entro em desespero”.

Ou seja, muitas vezes, no currículo prescrito se propõe uma lista extensa de conteúdos, que nem sempre é possível explorar com a intensidade que se precisa para que os alunos os compreendam, construam conhecimentos. A quantidade de conteúdos preocupava a professora naquele momento, pois o currículo vivenciado, em ação, não conseguia, por vezes, atender as duas demandas: aprendizagem e particularidades dos alunos e o ensino de uma lista de conteúdos prevista na proposta curricular. Isso porque cada aluno, cada grupo de aluno tem suas particularidades, como pensar um currículo igual para todos? “Estamos num universo do qual não se pode eliminar o acaso, o incerto, a desordem. Nós devemos viver e lidar com a desordem” (MORIN, 2015, p. 89). Nesse sentido, pensamos que o currículo vivenciado no contexto da escola envolve diferentes incertezas/desordens, em relação à aprendizagem dos alunos, infraestrutura, quantidade de alunos, avaliações, tempo com os alunos...

Reunião de Planejamento 14/03/2017

Para iniciar esse encontro, a professora Ana lembrou que muitos alunos ainda não conseguiram compreender a composição dos números, por isso trouxe e queria mostrar atividades de sua maleta mágica: algumas que já explorou com seus alunos e outras que ainda pretendia explorar. Ela relatou que pretendia ter usado o aplicativo Base Blocks, porém não o usou: “eu estou meio frustrada por não usar aquele material dourado digital, uma hora não consegui usar por causa da internet, outra hora porque tem muita criança; usar só na lousa não dá, tem que ir para os computadores também, então tem coisas que não é só porque não está funcionando uma vez, tem coisas que ficam, os alunos são agitados, mas essa semana vamos ver, eu marquei a sala de informática no 1º tempo”.

Como pesquisadoras/professoras tivemos a oportunidade de vivenciar muitos momentos junto com as professoras, nessa escola, podemos dizer que muitas dessas experiências/frustrações/incertezas também fizeram parte dos desafios da pesquisa/formação, e representaram aprendizagens em/para nossas vidas. Nós vivenciamos com a professora este momento de frustração em relação ao planejado e o realizado, eramos uma equipe, um grupo que pensava ações para aquela turma, sala de aula, escola. Esse contato constante com as professoras permitiu experienciar as imprevisibilidades e instabilidades que a estrutura representa nessa escola (conexão à internet, configurações da lousa digital, projetores insuficientes), e mobilizou buscas por soluções a esses problemas. Isso porque acreditamos que esses desafios, muitas vezes, acabavam por desmotivar as professoras, como por exemplo, observamos a animação da professora ao querer/acreditar que poderia modificar suas aulas ao integrar esse aplicativo, e ao mesmo tempo, a frustração em não conseguir experienciar, analisando esta possibilidade de uso.

Então, a professora marcou aula no Laboratório de Informática por acreditar que essa é uma possibilidade de incentivar os alunos a participarem da aula, interagirem com o computador e realizar algumas atividades (que envolviam a composição de números). Naquela reunião ela falou: “Acho que vou fazer individual, ou trabalho em dupla, no computador. Eu queria usar a lousa e explicar para todos, mas estou achando que vai ter que ficar cada um no computador fazendo atividades, e eu usar a lousa para explicar. Eu queria ver eles (os alunos) usando a lousa, colocar a lousa lá (na parede da sala), só que não está dando muito certo. Acho que eu vou tentar no computador e depois eu uso a lousa, porque a turma é grande, eles se dispersam muito”.

Diante dessa ideia, conversamos sobre a importância dos conhecimentos, atitudes, concepções da professora nessas aulas, que as tecnologias “nem de longe, sozinhas, conseguem resolver os desafios educacionais existentes” (KENSKI, 2012, p. 58), que “é a maneira que os professores usam a tecnologia que tem o potencial para mudar a educação”. (KOEHLER; MISHRA, 2005, p. 132, tradução nossa). Ou seja, a professora tem autonomia para decidir qual tecnologia melhor se adapta às suas aulas. Nesse caso, nós sugerimos o aplicativo, pensamos junto com a professora em modos de integrá-lo às suas aulas, mas a professora tinha total autonomia em planejar e desenvolver as aulas. Ela quem decidia os modos de realizar o planejado, repensando, modificando, de acordo com as necessidades, do conteúdo....

A partir dessa afirmação da professora, consideramos que há indícios de construção de Conhecimentos tecnológicos e pedagógicos de conteúdo (CTPC), um conhecimento, que de acordo com Mishra e Koehler (2006) é fundamental para os professores que utilizam tecnologias. Isso porque a professora queria explorar composição de números (conteúdo), reconhecendo que o uso do aplicativo Base Blocks no Laboratório de Informática (tecnologia) pode potencializar movimentos de aprendizagem dos alunos (pedagogia). No caso, essa tecnologia é que melhor se adaptava, naquele momento, às suas necessidades, com essa turma de alunos... pois desse modo, ela podia acompanhar os alunos, interagindo, observando, questionando, e sempre que sentisse necessidade, poderia chamar alguns alunos

Reunião de Planejamento 28/03/2017

Nesse encontro a professora comentou que continuava insistindo no uso do aplicativo com os alunos, pois acreditava que as aulas a partir da representação nesse aplicativo poderiam ajudar seus alunos na compreensão da construção dos números na base 10, inclusive para resolver situações envolvendo adições. Porém, relatou que novamente não desenvolveu a aula planejada com o aplicativo articulado à lousa digital: “a lousa digital não conseguimos usar ainda, por causa da internet, que estava ruim, e aquele material dourado digital não entrou mais”. Fato que mais uma vez, nos mobilizou a pensar em estratégias para superar as dificuldades que enfrentamos. Dessa vez, não eram apenas questões estruturais na escola, mas eram problemas de “sistema”, de acesso ao aplicativo. Dado que tudo isso estava acontecendo e estávamos vivenciando esse processo junto com a professora, não a deixamos sozinha. Passamos dias pesquisando/estudando, e descobrimos que após uma atualização do Java, todos os aplicativos do site NLVM não abriam mais. Ficamos alguns dias sem acesso ao aplicativo. Depois dessa instabilidade, conseguimos abrir esse site, com seus recursos, apenas no navegador Internet Explorer, e ainda precisamos inserir uma exceção no Java. Fato esse que nos fez pensar em possibilidades outras para continuar usando esse site em práticas pedagógicas. Inclusive cogitamos a ideia de que esse aplicativo também não mais funcionasse no Laboratório de Informática, em função de restrições do sistema Linux.

Essa complexidade que “se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza” (MORIN, 2015, p. 13), fez com as aulas fossem (re)pensadas. Optamos por outra possibilidade: desenvolver aulas com notebook, projetando na lousa digital (ou então com o projetor multimídia), na sala de aula. Nesse encontro de planejamento, com o aplicativo aberto no notebook, a professora pode acompanhar as ideias, mexer, interagir, pensar, acompanhar um processo para resolver algumas operações. Inicialmente pensando na exploração da representação de alguns números (como já mencionado em encontros anteriores), para depois realizar operações de adição sem agrupamento, inicialmente. Por exemplo, realizar a adição 12+ 7, 14+23, conforme apresentado na Figura 4.

Representação de somas sem agrupamentos no aplicativo
Figura 4
Representação de somas sem agrupamentos no aplicativo
as autoras (2017)

É claro que essas são apenas duas adições, mas para permitir que os alunos também interagissem e resolvessem algumas adições no aplicativo, pensamos em uma sequência com diferentes números. Para resolver essas adições, combinamos que se poderia representar primeiro uma das parcelas no aplicativo, fazendo também no quadro a representação aritmética, para em seguida, representar a segunda parcela, e então realizar a adição. Sugerimos que a professora realizasse a adição com calma, dialogando e questionando os alunos em cada etapa, para que os alunos pudessem sugerir ações e compreender o que estavam somando e como acontecia o processo de somar/juntar parcelas, ao observar as representações (geométrica no aplicativo e aritmética no quadro). Após explorar as adições sem agrupamento, se poderia desafiar os alunos para realizar algumas adições que iriam requerer agrupamentos na base 10. Por exemplo, realizar a adição 15+8 como na Figura 5.

Representação de uma soma com agrupamento no aplicativo
Figura 5
Representação de uma soma com agrupamento no aplicativo
as autoras (2017)

Do mesmo modo como as adições sem agrupamento, pensamos que a professora poderia explorar, no ritmo dos alunos, adições com agrupamento, explorando as duas representações. Lembrando sempre que se está juntando duas quantidades, então a operação a ser realizada é de somar/adicionar. Ou seja, no aplicativo poderia explorar a representação geométrica e no quadro, com o canetão, a representação aritmética, sempre conversando/brincando com os alunos, explorando a representação da quantidade de cada parcela.

Para que os alunos consigam visualizar/acompanhar o que está acontecendo com as unidades que estão sendo juntadas, agrupadas, discutimos que é importante representar as quantidades na coluna das unidades, e mostrar/sinalizar quando se faz agrupamentos de 10, o que acontece quando passa para a coluna das dezenas. Além de lembrar que quando se transfere um grupo de 10 para a coluna das dezenas, na representação aritmética, não “vai um” para a coluna das dezenas, mas vai uma dezena, as dez unidades agrupadas na coluna das unidades simples. O que envolve discutir que para facilitar a contagem, as unidades podem ser agrupadas em dezenas, as dezenas em centenas...

Assim, nesse período, ocorreram esses e mais três encontros (14/04, 09/05 e 30/05). Em função do limite de páginas, não iremos analisar os outros encontros. Não que os outros não tenham sido importantes para a construção de conhecimentos. Isso não! Eles representaram movimentos outros que exigiam auto-eco-organização constante, nesse ambiente complexo que é a escola, pois a partir de ações, relações, interações criamos estratégias e (re)pensamos ações para explorar as operações de adição com o aplicativo e a lousa digital. Optamos por continuar a narrativa com um encontro em que os diálogos envolveram reflexões sobre o praticado/vivenciado em sala de aula.

Reunião de Planejamento 20/06/2017

Antes desse encontro acontecer, a professora havia enviado por WhatsApp que finalmente conseguiu desenvolver uma atividade utilizando lousa digital, notebook e o aplicativo Base Blocks. Vejam que depois de quase um semestre tentando, insistindo, ela enviou: “deu certo😉. Foi muito bom. Usei a lousa digital na sala de aula, o aplicativo deu certo”.

Vale lembrar que essa era uma atividade que vinha sendo planejada e desejada pela professora há muito tempo (desde o início do ano). Uma aula, utilizando um aplicativo que a professora vinha manipulando, observando durante vários encontros/formações. Logo no início do encontro Ana comentou: “digamos que foi bom... porque eu consegui montar ela (a lousa) na sala, consegui usar, mas chegou numa parte da aula, que precisava tirar e não ia para o lixo [falando da ação do aplicativo de retirar quantidades], e deu muita sombra. Então não foi aquela aula, como imaginei. Mas fiz a atividade na minha sala, porque queria mais a participação deles (os alunos) e o registro no caderno. Fiz as atividades, pedi para eles fazerem algumas atividades, mas eles tiveram dificuldades porque ficou alto [falando da área de projeção da Lousa digital que ficou em local pouco acessível pelos alunos] –eles tiveram dificuldade para tirar. Foi interessante, mas não deu o resultado que eu queria, porque queria trabalhar a adição na lousa e não dei conta. Trabalhei só unidade, dezena e centena. O que acontece com as unidades quando dá dez, que posso agrupar, no caso do 12, e por que não aparece mais o número? Todas aquelas dicas eu fiz, explorei, não o tanto quanto queria, porque quando deu aquele problema com a lixeira, por causa da sombra, não deu mais certo”.

Após desenvolver essa atividade, parecia que a professora estava com outro ânimo, uma motivação a mais para continuar tentando, inventando modos novos de integrar a tecnologia às aulas... isso está de acordo com Becker (2012, p. 87): “o reflexionamento do conseguir, ou da prática exitosa, é a condição necessária da reflexão e, por conseguinte, do desenvolvimento do conhecimento que, por sua vez, abre novas possibilidades para a aprendizagem”. Inclusive, Ana comentou que: “vou tentar de novo fazendo isso com a lousa – ir lá na frente, chamar eles pra virem, resolverem e depois vou dar para eles fazerem umas continhas”. A partir dessa nova motivação, a professora poderia continuar explorando o aplicativo para operações de adição e subtração.

Assim, finalizamos um semestre de planejamentos, o primeiro de 4 no total do processo de formação. Um processo vivenciado em um semestre, com a alegria de termos aprendido muito. Sabemos que muitos foram os desafios, alguns mais fáceis de serem resolvidos, outros recorrentes. Mas, a partir das interações, estudos, diálogos, Ana estava (re)construindo conhecimentos para integrar tecnologias digitais ao currículo. Um currículo “ressignificado no momento da ação quando os professores alteram o planejamento no andamento da prática pedagógica conforme as demandas emergentes de seus alunos, o seu fazer e refletir na ação.” (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 15). Ou seja, esse currículo foi sendo (re)construído a partir do movimento, das necessidades, das incertezas e ações desenvolvidas, integrando, considerando movimentos de outras disciplinas, em que a professora também explorou tecnologias digitais com seus alunos, considerando o contexto da escola, da sociedade, da professora, dos alunos e suas famílias...

Algumas considerações...

A partir dessas ações de pesquisa/formação que foram narradas nesse texto, e realizadas com uma professora, durante um semestre letivo, nas quais foram planejadas/desenvolvidas ações com/para o uso do aplicativo Base Blocks em aulas de Matemática do 3º ano do Ensino Fundamental, podemos considerar que a formação continuada em serviço, como a que realizamos nessa escola, em diálogo com a professora, acompanhamento, parceria para pensar/desenvolver/avaliar diferentes situações possibilitou/potencializou um processo de auto-eco-organização. Dizemos processo, porque não foi algo que aconteceu em um momento, mas que iniciou e foi decorrente de ações, reflexões, análises... vivenciando/dialogando com os desafios, as incertezas e as desordens que se fizeram presentes no contexto escolar, durante esse período.

Acreditamos que o uso do aplicativo nas aulas de matemática da professora teve forte influência de nossos encontros/formações/planejamentos, em um movimento de formação continuada em serviço construído no diálogo com a professora, com ações de acompanhamento, parceria, estudos, de pensar em estratégias ou possibilidades para uso desse e outros aplicativos; movimentos diferentes de um curso ou oficina, que geralmente se explora alguns recursos importantes da tecnologia, sem vivenciar na prática seu uso, discutindo o cotidiano do/com o professor, os desafios que professores enfrentam/superam para desenvolver suas aulas, considerando a complexidade que constitui cada ambiente de escola.

Nesse movimento, acreditamos que a professora vivenciou um processo de construção de conhecimentos tecnológicos e pedagógicos de conteúdo para a integração de tecnologias digitais ao currículo. Processo que se constituiu de ações de planejamento, reflexão, ação em sala de aula com uso do aplicativo, explorando e avaliando possibilidades para construção de números na base decimal, operações, a partir de diferentes representações e assim potencializar a aprendizagem dos alunos. Isso porque com o passar do tempo, tecnologias (aplicativo, lousa, projetor e notebook) passaram a fazer parte dos diálogos, como algo fundamental para favorecer processos de ensino e de aprendizagem. Além de planejamentos, foram momentos de estudos sobre os desafios que emergiam do espaço da sala de aula e escola, sobre possibilidades para poder fazer uso desse aplicativo, que resultaram em ações, tentativas, modificando, (re)pensando na prática ações planejadas. Ou seja, o planejado, nem sempre conseguia ser realizado e por vezes foi modificado. O que mobilizou a continuidade de estudos e pesquisas, refletindo, estudando, propondo, pensando em modos de formar professores nesse contexto de complexidade que vivemos, principalmente quando nos referimos à Educação.

Nesse artigo foram narradas algumas ações de planejamento para aulas de matemática. Mas, não podemos reduzir os planejamentos a essas ações, porque ocorreram outros movimentos. As ações narradas representam alguns momentos significativos nesta escrita, mas há outros e outras formas de olhar para os mesmos, principalmente porque esse processo de formação envolveu cinco professoras, em ações de regência durante dois anos, com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola.

Podemos considerar, a partir do vivenciado com essa professora, que formar professores para integrar tecnologias digitais ao currículo requer muito mais do que cursos de formação, ações de formação na escola, requer tempo para vivenciar/experienciar os desafios vivenciados no contexto de cada escola. Requer, por exemplo, estudos para desenvolver tecnologias outras, criatividade para pensar em modos outros de integrar tecnologias e desenvolver aulas, persistência, autonomia e flexibilidade... requer movimentos contínuos de auto-eco-organização dos professores em formação e dos formadores destes professores, em interação com movimentos da escola, organismo vivo, outros profissionais e espaços... então, requer abertura para aprender ao longo da vida.

Agradecimentos

À FUNDECT/CAPES por financiar esta pesquisa e o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Brasil (CAPES)/Código de Financiamento 001.

Referências

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BECKER, F. Educação e construção de conhecimento. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.

BRASIL. Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: matemática. Secretaria de Educação Básica – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008.

CLANDININ, D. J.; CONNELLY, F. M. Pesquisa narrativa: experiências e história na pesquisa qualitativa. Trad. Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores ILLEL/UFU. 2. ed. Ver. Uberlândia: EDUFU, 2015.

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MISHRA, P; KOEHLER, M. J. Technological Pedagogical Content Knowledge: A Framework for Teacher Knowledge. Teachers College Record, V. 108, N. 6, June 2006, pp. 1017–1054.

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Notas

[3] O aplicativo encontra-se no site NLVM (National Library of Virtual Manipulatives). É similar ao material dourado, porém em formato digital, e possibilita que os alunos componham e decomponham dezenas, centenas e a unidade de milhar, sem realizar trocas. Esse aplicativo pode ser utilizado no Laboratório de Informática, mas também pode ser utilizado em sala de aula, com o notebook e a lousa digital (após aberto, para usá-lo, não é necessário conexão à internet).
[4] Compreendemos a auto-eco-organização como a ação do indivíduo (ser vivo) se auto produzir o tempo todo nas relações que estabelece com o outro e com o meio. Esse processo não se dá de maneira isolada, pelo contrário, há uma constante relação de dependência entre os pares. A auto-eco-organização acontece, pelo falo de que todo ser vivo, pode ser considerado também um sistema autopoiético, ou seja, que tem a capacidade de se autoconstruir, se auto-organizar.
[5] Documento que foi organizado pela Secretaria Municipal de Educação do município, representando um dos documentos do currículo prescrito, a orientar as ações disciplinares das professoras nessa escola.

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