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Número Racional com o Significado de Fração: aspecto relacional, ordenação, equivalência e representações
Rational Number with Meaning of Fraction: relational aspect, ordering, equivalence and representations
Número Racional com Significado de Fracción: aspecto relacional, ordenamiento, equivalencias y representaciones
Revista de Educação Matemática, vol.. 18, e021025, 2021
Sociedade Brasileira de Educação Matemática

Artigos Científicos

Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 18, e021025, 2021

Recepção: 04 Janeiro 2021

Aprovação: 27 Abril 2021

Publicado: 08 Maio 2021

Copyright Revista de Educação Matemática 2021.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo é sobre uma pesquisa que objetivou analisar o processo de ensino e de aprendizagem do número racional, com o significado de frações, bem como suas ordenações e equivalências. Alunos de 7º ano da Educação Básica, de uma escola pública paulista, que demonstraram nenhum entendimento para qualquer significado do número racional, vivenciaram atividades didático-pedagógicas, sistematizadas para promoverem o desenvolvimento e a coordenação de competências e habilidades associadas ao número racional, tais como: observar, realizar e compreender. As atividades basearam-se em pressupostos teóricos, considerando o aspecto relacional para o entendimento de uma fração e o papel das representações semióticas na elaboração de conceitos matemáticos. Dados dessas atividades foram qualitativamente analisados em função do referencial teórico da pesquisa. Conforme os resultados, a utilização do aspecto relacional, para o conceito de fração e de tratamento e conversões entre representações, foi fundamental para a elaboração do significado do número racional como fração e para sua ordenação. No entanto, para o conceito de equivalência os resultados mostrados por todos os alunos foram difusos, permitindo inferir sua não consolidação dada a não permanência conceitual em detrimento das frações utilizadas e de suas representações. A conclusão é que, para esses alunos, a compreensão do número racional, com o significado de relação parte-todo e suas ordenações, foi significativamente elaborada tendo em vista o aspecto relacional e suas representações.

Palavras-chave: Ensino e aprendizagem, Número Racional, Frações.

Abstract: This article is about a research that aimed to analyze the process of teaching and of learning the rational number, with the meaning of fractions, as well as their ordering and equivalence. 7th grade elementary school students, from a public school in São Paulo, who did not demonstrate understanding for any meaning of the rational number, experienced didactic-pedagogical activities, systematized to promote the development and coordination of competencies and skills associated with the rational number, such as: observe, perceive and understand. The activities were based on theoretical assumptions, considering the relational aspect for understanding a fraction and the role of semiotic representations in the development of mathematical concepts. The data of these activities were analyzed qualitatively in light of the theoretical framework of the research. According to the results, the use of the relational aspect for the concept of fraction and treatments and conversions between representations was fundamental for the elaboration of the meaning of the rational number as a fraction and for its ordering. However, for the concept of equivalence, the results presented by all students were diffuse, allowing inferring their non-consolidation given the conceptual non-permanence to the detriment of the fractions used and their representations. It is concluded that, for these students, the understanding of the rational number, with the meaning of the part-whole relationship and its ordering, was significantly elaborated considering the relational aspect and its representations.

Keywords: Teaching and Learning, Rational Number, Fractions.

Resumen: Este artículo trata sobre una investigación que tuvo como objetivo analizar el proceso de enseñanza y de aprendizaje del número racional, con el significado de las fracciones, así como su ordenamiento y equivalencia. Alumnos de 7 ° grado de primaria, de una escuela pública de São Paulo, que no demostraron comprensión de ningún significado del número racional, experimentaron actividades didáctico-pedagógicas, sistematizadas para promover el desarrollo y coordinación de competencias y habilidades asociadas al número racional, tales como: observar, percibir y comprender. Las actividades se basaron en supuestos teóricos, considerando el aspecto relacional para la comprensión de una fracción y el papel de las representaciones semióticas en el desarrollo de conceptos matemáticos. Los datos de estas actividades fueron analizados cualitativamente a la luz del marco teórico de la investigación. Según los resultados, el uso del aspecto relacional para el concepto de fracción y los tratamientos y conversiones entre representaciones fue fundamental para la elaboración del significado del número racional como fracción y para su ordenamiento. Sin embargo, para el concepto de equivalencia, los resultados presentados por todos los estudiantes fueron difusos, lo que permitió inferir su no consolidación dada la no permanencia conceptual en detrimento de las fracciones utilizadas y sus representaciones. Se concluye que, para estos estudiantes, la comprensión del número racional, con el significado de la relación parte-todo y su ordenamiento, se elaboró ​​significativamente considerando el aspecto relacional y sus representaciones.

Palabras clave: Enseñanza y aprendizaje, Número racional, Fracciones.

1. Introdução

Resultados de desempenhos de alunos da Educação Básica em diferentes edições do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo (SARESP) (SÃO PAULO, 2018) e da Avaliação de Aprendizagem em Processo (AAP) (SÃO PAULO, 2018) em questões sobre número racional apontam para dificuldades associadas à coordenação de habilidades e competências que subentendem a compreensão deste conceito, considerando-se seus diferentes significados e representações (KIEREN, 1976; BEHR et al., 1983, CISCAR E GARCIA, 1988).

Justificativas do processo de avaliação do SARESP e da AAP aliadas aos seus resultados motivam a elaboração de ações pedagogicamente sistematizadas apoiadas tanto no conhecimento de dificuldades para a consolidação de um conceito matemático como nas evidências de competências e habilidades necessárias nessa consolidação (SÃO PAULO, 2018).

Na perspectiva curricular as competências “... caracterizam modos de ser, de raciocinar e de interagir, que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em contextos de problemas, de tarefas ou de atividades.” (CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011, p. 12), sendo referências orientadoras da aprendizagem, devendo assegurar prioridade para a competência de leitura e escrita, além da Matemática (CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011; RELATÓRIO PEDAGÓGICO SARESP, 2012).

No conhecimento matemático, as competências para observar, realizar e compreender “... assentam-se na coordenação de ações específicas (habilidades) que, por sinal, estão associadas a diferentes categorias de conteúdos que compõem o currículo escolar...” (OLIVEIRA, 2019, p.). Logo, a compreensão do número racional origina-se na mobilização e na coordenação de habilidades, sempre associadas a um objeto ou a um conteúdo: comparar e analisar objetos, representar quantidades, estabelecer relações entre situações, realizar medidas, fazer interpretações, fazer generalizações a partir do que se entende como comum em diferentes situações, argumentar sobre resultados encontrados e justificá-los de modo coerente (SÃO PAULO, 2009).

A partir dessas considerações, inicialmente (1ª fase) desenvolvemos uma pesquisa para analisar a compreensão de alunos da Educação Básica sobre o número racional (OLIVEIRA, 2019). Assim, 28 alunos de uma turma de 7º ano responderam a uma avaliação diagnóstica, composta por 11 questões sobre o número racional, com seus diferentes significados e representações.

Dezoito alunos acertaram entre 0% e 72% das questões e para 10 alunos a frequência de acerto foi entre 80% e 100%. Com 8 alunos que acertaram entre 80% e 100%, realizamos uma entrevista semiestruturada individual a fim de elucidar seus raciocínios ao resolver questões com o número racional se identificando como: a) operador em contextos discreto e contínuo; b) razão associada a conjuntos disjuntos e não disjuntos; c) divisão representada na forma a/b e sua conversão para a representação decimal e d) porcentagem.

Todos os alunos entrevistados demonstraram competências para: 1) observar o contexto e o conteúdo das representações; 2) realizar sobre propriedades do sistema de representação utilizado e 3) compreender que a representação a/b não se associa somente à relação parte-todo, possibilitando concluir que abstrações necessárias para a compreensão de diferentes significados do número racional e suas representações não comparecem em cada uma dessas competências. Ao contrário, apresentam-se em suas coordenações, necessariamente no transitar de um contexto a outro, transformando conteúdos contextuais e representacionais (OLIVEIRA, 2019).

Esses resultados justificaram a continuidade da pesquisa (2ª fase), planejada a fim de analisar o desenvolvimento do número racional, com o significado de fração, com alunos que, na 1ª fase, tiveram entre 55% e 100% de desempenho insatisfatório, dado pelo somatório das frequências de erro, de respostas em branco e de respostas “não sei” na avaliação diagnóstica.

Descrevermos neste artigo a 2ª fase da pesquisa, contemplando o desenvolvimento e os resultados de atividades didático-pedagógicas, sistematicamente elaboradas em função de perspectivas teóricas para o processo de ensino e aprendizagem do número racional, cujos resultados mostraram efetiva elaboração do conceito de fração e de ordenação pelos alunos, diferentemente do que aconteceu para o conceito de equivalência entre frações.

2. Pressupostos Teóricos

As elucidações de Kieren (1976) são consideradas um marco teórico sobre o número racional, definindo-o a partir de uma diversidade de contextos, significados e representações, permitindo entender que a relação parte-todo (fração) é um número racional, mas nem todo número racional é uma relação parte-todo (fração). Esse entendimento é imprescindível para compreender que um número racional também pode significar porcentagens, medida, divisões e razões (KIEREN, 1976). Contudo, a relação parte-todo tem se mostrado fundamental para a compreensão do número racional e suas operações, como pesquisado por Silva e Almouloud (2008).

O processo de ensino e de aprendizagem do número racional, tido como complexo, tem sido, pelo tempo, objeto de elucidações teóricas (BEHR et al., 1983, CISCAR E GARCIA,1988, BROWN, 2015), de diversas pesquisas (MAGINA, CAMPOS, 2008; OLIVEIRA, 2019; MELO; TELES, 2020) e de revisões de pesquisas (PITKETHLY, HUNTING, 1996; MISQUITTA, 2011).

Para Brown (2015) o desenvolvimento de diferentes e mais complexas representações numéricas e da profunda relação entre símbolos e números racionais formam a base da ampliação do esquema operacional para esses números, tendo origem em experiências com diversas representações e em diferentes contextos associados aos números racionais, que devem oportunizar mudanças conceituais, possibilitando compreender o número racional como uma relação.

De acordo com Brown (2015), essa compreensão é estabelecida somente na transição do entendimento e de modos de agir, anteriormente com números inteiros, para contextos e situações que se associam a números racionais. Exemplo de mudança conceitual é a relativa à ideia de quantidade, quando se aprende números racionais.

Para uma criança, o conceito de número inteiro é entendido como a síntese de uma contagem de objetos discretos, a partir de diversificadas experiências de contagem de quantidades discretas (BROWN, 2015). Assim, não compreendendo o número racional como uma relação, certamente a criança lidará com os números inteiros, que compõem a representação racional, enxergando-os quantidades independentes, acarretando errôneos raciocínios como, por exemplo, a ordenação, entendida como verdadeira, na qual 1/8 > 1/6 porque 8 > 6 (BROWN, 2015).

Vanvakoussi e Vosniadou (2004) e McMullen et al. (2015) apud Brown (2015) afirmam que a representação racional, ao utilizar-se de números inteiros, tal como a comparação entre a distância de dois números racionais na reta numérica, carrega em si o que denominam de “viés de número inteiro”, por salientar sua natureza. Contudo, é a incorporação “... da natureza relacional dos números racionais no pensamento da criança sobre números.” (BROWN, 2015, p.2), que levará à mudança da absoluta contagem para a relativa comparação.

Citando McMullen et al. (2013, 2014), Brown (2015, p. 2) afirma a contribuição de um esquema cognitivo de comparação relacional para a aprendizagem do número racional, que se mostrou fundamental para aprender a relação de ordem de frações unitárias, quando expresso pela capacidade de visualizar e entender a unidade de medida e a quantidade a ser medida, como entidades separadas (CORTINA, VISNOVSKA E ZUNIGA, 2014 apud BROWN, 2015).

Brown (2015) desenvolveu um projeto com crianças africanas de 4ª série (5º ano do Ensino Fundamental no Brasil), que vivenciaram situações de aprendizagem sobre números inteiros e números racionais e suas inter-relações, reconhecendo suas diferenças em termos de contagem e de comparação relacional, o que pode “... ser uma alavanca poderosa para ajudar a criança a alcançar a transição para o pensamento numérico racional.” (BROWN, 2015, p. 8). Este reconhecimento gerou motivações no sentido de controlar melhor as ações e confiar em si porque a criança atribuiu “... diferenças nas propriedades de números inteiros e racionais às diferenças entre os tipos de números considerados, em vez de a sua própria incompreensão do número.” (BROWN, 2015, p. 8).

Possíveis implicações para o ensino de números racionais podem ter origem nas referências teóricas elucidadas por Brown (2015) e nos resultados de suas pesquisas. Como exemplo está o ensino inicial do número racional, a partir de atividades didático-pedagógicas sobre desenvolvimento e utilização do esquema de comparação relacional, possibilitando conceber números racionais como um nível de abstração acima dos números inteiros, dadas diferentes formas de quantificar comparações, que se apresentam nessas atividades e que fazem uso de contagens.

Desse modo, a transição entre capacidades cognitivas com números inteiros para aquelas com números racionais é focada no aspecto relativo das quantidades. Assim, percebe-se uma fração como "quanto do todo", salientando então o aspecto relativo ao invés de olhá-las como um todo em si (aspecto absoluto) (BROWN, 2015).

O campo conceitual do número racional é mais complexo do que o do número inteiro, “... tanto no âmbito de aplicação de números racionais [...] e no nível de proficiência técnica necessário para dominar os sistemas de símbolos deste campo.” (BROWN, 2015, p. 8).

Amplia-se essa complexidade nos resultados das pesquisas de Brown (2015) nos quais o entendimento da natureza relacional do número racional necessita da mudança de esquemas de contagens absolutas para comparações relativas, que requerem “... outro nível de abstração em nossa compreensão de número e de quantidade.” (BROWN, 2015, p. 8).

Para Brown (2015), os resultados de suas pesquisas levam a conclusões oriundas de dados específicos de cada situação de aprendizagem, sendo então necessária a realização de mais pesquisas que investiguem a natureza relacional do número racional, por exemplo, no contexto da reta numérica, aumentando assim sua base de dados empíricos.

A partir de referências teóricas clássicas como as de Kieren (1976), as de Behr et al. (1983) e as de Ciscar e Garcia (1988) e igualmente diante às elucidações de Brown (2015) é possível derivar implicações pedagógicas para o número racional, efetivadas à luz da Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1983, 1998, 2009) e da Teoria dos Registros de Representações Semióticas (DUVAL, 2003, 2010, 2014

A expressão “campos conceituais”, no que tange ao ensino e à aprendizagem da Matemática, apresenta-se frequentemente associada às pesquisas de Vergnaud (1983, 1998, 2009), ao considerar na formação de um conceito sua contextualização e representação em situações diferentes, que disponibilizam propriedades (invariantes operatórios) que os definem. Portanto, não se entende a efetividade do trabalho pedagógico com uma única situação ou contexto quando se visa elaborar um conceito.

Além disso, frequentemente uma situação ou contexto remete a mais de um conceito. Por exemplo, as estruturas aditivas requerem os conceitos de medida, de transformação, de comparação, diferença e inversão, operações unárias e binárias, entre outros. Finalmente para Vergnaud (1983, 1998, 2009), o tempo tem papel fundamental na elaboração de um conceito, pois nele se formam e se coordenam concepções, que se reelaboram, formando outras concepções e coordenações, que se estendem continuamente.

Na formação de um conceito, tornam-se indissociáveis os conjunto de situações (S), de invariantes operatórios (I) (propriedades, relações, funções, operações) e o de representações simbólicas (R), que alude ao próprio conceito com suas propriedades e situações ou contextos a que se refere (VERGNAUD, 1990, 1998, 2009, 2015). Considerada essa indissociação entre S, I e R, para se elaborar cognitivamente um conceito necessita-se da diversificação de oportunidades para representá-lo de diferentes modos e igualmente da discriminação dessas representações no sentido de vir a utilizar este mesmo conceito em diferentes situações.

Para Duval (2003, 2010, 2014), sob a perspectiva das representações semióticas, a elaboração de um conceito matemático somente acontece no trânsito entre essas representações, necessariamente entre as conversões de, no mínimo, duas representações semióticas deste conceito. Como exemplo está a conversão entre língua materna (linguagem discursiva) e representação aritmética, que acarreta lidar com diferentes propriedades de cada representação, ou seja, o conteúdo da representação, sem perder o significado conceitual que cada uma carrega em si.

[...] o conceito de metade ou meio pode ser representado em uma figura geométrica como ou como numerais pertencentes ao Sistema de Numeração Decimal, tais como: 1/2; 5.10-1; 0,5; 50% e 0,50. A despeito dessas diferentes representações e dos conteúdos de cada uma delas (ter vírgula, ter barra, ter o símbolo %, ter numerais distintos), o conceito de metade/meio permanece, sendo o referente dessas representações (OLIVEIRA, 2019, p. 5).

Passar de um registro de representação para outro (conversão), implica procedimentos e ações cognitivas para além de quando se age sobre um mesmo registro de representação (tratamento), pois a conversão não se reduz à tradução de um registro em outro (DUVAL, 2010). Nessa lógica, dificuldades apresentadas na aprendizagem matemática não são propriamente relativas a um conceito matemático, mas sim à diversidade de suas representações semióticas e igualmente de suas conversões e tratamentos (DUVAL, 2010).

No que tange à discussão filosófica sobre a natureza de conceitos matemáticos, a relação entre representações semióticas e suas utilizações é apresentada por D’Amore (2006) a partir do que denominou de aproximação antropológica. Nessa aproximação, conceitos matemáticos refletem padrões da atividade humana (RADFORD, 2004 apud D’AMORE, 2006) implicando que seus significados sejam derivados de um sentido inicial, originado em uma relação intrínseca com problemas e respectivas atividades para solucioná-los em uma prática ou experiência compartilhada na qual estes conceitos matemáticos se apresentam.

D’Amore (2006) ao relacionar objetos matemáticos, significados, sentidos e representações semióticas argumenta sobre a perda de sentido e consequente significado que um objeto ou conceito matemático pode ter diante a tratamentos e conversões. Por exemplo, sendo O1 (objeto-significado), a probabilidade de obter um número par no lançamento de um dado, o sentido atribuído a O1 é aquele “... descrito pelos alunos e desejado pelo docente: tantos resultados possíveis, e com respeito a estes, tantos favoráveis...” (D’AMORE, 2006, p.187) que está relacionado com a experiência compartilhada em sala de aula, tendo a representação 3/6 como seu primeiro registro semiótico.

Este O1 sob um primeiro tratamento passa a ser 1/2 (O2), que dado um segundo tratamento torna-se 4/8 (O3). O significado O1 igualmente passa por uma conversão na qual 3/6 = 50% (O4). Mas qual é a relação entre O2, O3, O4 e O1?

Reconhecer a identidade entre O2 (1/2) e O4 (50%) pressupõe uma base de conhecimento anterior “... que permite conhecer o mesmo objeto; o sentido está compartilhado, é único...” (D’AMORE, 2006, p. 188). Contudo, para O3 essa identidade não é reconhecida: “... a “interpretação” é ou parece ser diferente, e então se perde o sentido do objeto (significado) O1.” (D’AMORE, p. 188).

Não se presume que a perda de sentido tenha somente como causa a conversão; no exemplo aqui dado [...] apresentou-se como causa um tratamento (a passagem de 3/6 a 4/8). A interpretação de 4/8 dada pelo professor não admitia como objeto aceitável o mesmo O1 que havia originado o sentido compartilhado que levou à interpretação 3/6 (D’AMORE, 2006, p. 188).

A importância do significado de um conceito, que se origina em contextos e práticas, encontra-se também em Vergnaud (1983, 1998, 2009), cujos pressupostos teóricos apresentam-se em pesquisas, por exemplo, a de Maranhão e Igliori (2003), com objetivos associados a diferentes desdobramentos do processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos, entre eles os números racionais.

Nessa perspectiva, entendemos como pertinente investigar o trabalho pedagógico que objetiva oportunizar a mobilização e a coordenação de ações cognitivas, em atividades nas quais se apresentam o aspecto relacional do número racional, bem como o trânsito por tratamento e conversões entre representações conceituais. Para tanto, utilizamos como referências teóricas princípios elucidativos oriundos da Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1983) e a Teoria dos Registros de Representações Semióticas (DUVAL, 2003, 2010, 2014).

3. Ações Metodológicas

Resultados da 1ª fase da pesquisa delinearam o problema da 2ª fase identificado com a questão: como oportunizar a elaboração do conceito de número racional para alunos que demonstraram não entendê-lo em nenhum dos contextos, que remetiam aos significados e respectivas representações de relação parte-todo, de porcentagem, de medida, de operador e de divisão?

Assim, objetivamos analisar a compreensão do número racional, desenvolvendo um trabalho pedagógico com atividades sistematizadas que procuravam explicitar o caráter relacional do número racional, a partir da relação parte-todo, bem como as relações de ordem e equivalência a partir da intencional conversão entre suas diferentes representações (material, discursiva, pictórica, racional).

A pesquisa foi aprovada com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 67764317.9.0000.5402. A base de suas ações metodológicas é dada pelo ciclo de reflexão – ação da Metodologia da Teoria Vivida (MCNIFF; WHITEHEAD, 2002) (Figura 1).


Figura 1
Representação do ciclo de reflexão – ação de Whitehead
reelaboração a partir de MCNIFF e WHITEHEAD (2002)

Diante resultados de questões associadas ao número racional, apresentados na 1ª fase da pesquisa (OLIVEIRA, 2019), elucidamos dificuldades sobre este conceito, demonstradas por alunos que tiveram entre 55% e 100% de desempenho insatisfatório, com o objetivo de melhorar o processo de ensino e aprendizagem do número racional junto aos mesmos.

A média de desempenho insatisfatório na avaliação diagnóstica da 1ª fase foi de 83,14%, sendo que 4 alunos (A1, A2, A5 e A7) tiveram 100% de desempenho insatisfatório, pois não acertaram nenhuma das 11 questões. Esse desempenho foi de 72% para o A4 (4 respostas em branco, 3 afirmações “não sei’ e 1 resposta errada), 55% para A3 e A6 (A3 com 1 resposta errada e 3 afirmações “não sei” e A6 com 3 afirmações “não sei” e 3 respostas em branco).

Os alunos demonstraram dificuldades para entender o número racional com os significados de operador, a ser aplicado em contexto discreto e contínuo, de razão, de divisão e sua conversão para a representação decimal e de porcentagem com suas diferentes representações. Assim, concluímos que esses alunos apresentaram defasagem de competências e habilidades, consideradas fundamentais para o desenvolvimento do número racional, tais como: 1) observar o contexto e o conteúdo das representações; 2) realizar sobre propriedades do sistema de representação utilizado e 3) compreender que a representação a/b não se associa somente à relação parte-todo.

Dado o objetivo da 2ª fase da pesquisa, necessitávamos explorar as potencialidades pedagógicas de atividades didáticas sistematizadas pelo ciclo de reflexão – ação (Figura 1), ou seja, pelas ações de observar, refletir, agir, avaliar, modificar, replanejar.

Nessa perspectiva, elaboramos o Guia de Atividades Didáticas com atividades que buscavam: a) mobilização simultânea de ao menos 2 formas de representação (representações oral, escrita e figurativa para a/b em diferentes contextos: parte-todo, medida, divisão, porcentagem); b) tratamento em um mesmo registro de representação e c) conversão entre diferentes registros (sistemas) de representação (racional, decimal, porcentagem) (DUVAL, 2003, 2010, 2014). Esse mesmo Guia deu origem a uma apostila individual para os alunos, contendo seu conteúdo e sequência de apresentação, mas diferentemente do exemplar do professor, não trazia o roteiro orientador do trabalho docente.

As atividades foram desenvolvidas durante 1 bimestre com 7 alunos dos 10 alunos que apresentaram entre 55% e 100% de desempenho insatisfatório, ocorrendo em horário regular das aulas de Matemática da turma desses alunos, mas em outra sala de aula. Na identificação e análise de dados, denominamos os alunos participantes como A1, A2, A3, A4, A5, A6 e A7.

O desenvolvimento das atividades contou com discos de frações formados por um disco inteiro (peça branca), suas metades (peças roxas), terços (peças verde-claras), quartos (peças cinzas), quintos (peças laranjas), sextos (peças marrons), sétimos (peças amarelas), oitavos (peças verde-escuras), nonos (peças azuis) e décimos (peças vermelhas), papel quadriculado, lápis e borracha. Somente uma peça de cada disco fracionário estava marcada com sua respectiva representação a/b.

As atividades didáticas objetivavam levar os alunos a: 1) compreender a relação parte-todo como uma relação entre quantidades não isoladas; 2) realizar a ordenação e a equivalência entre números racionais e 3) realizar conversões entre representações do número racional.

4. Desenvolvimento e Análise de Atividades do Guia de Atividades Pedagógicas

Descreveremos e analisaremos o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas sobre o número racional com o significado de fração, focadas no aspecto relacional do número racional, e sobre as relações de ordem e de equivalência entre frações.

A fim de que os alunos relacionassem o todo (o disco inteiro) com objetos do dia a dia, a pesquisadora pediu que tomassem em mãos somente o disco inteiro (peça branca), pensando no que ele poderia representar: 1 pizza, 1 queijo, 1 bolo, 1 disco, 1 praça...

Inicialmente os alunos foram orientados a dividirem o inteiro, que estava desenhado na apostila individual, em partes iguais, devendo representar 1 parte do todo que haviam dividido, utilizando para isso qualquer símbolo que não fosse numérico. Assim, a atividade já oportunizava para a representação da parte, mesmo não sendo uma representação matemática, a realização da conversão entre linguagem discursiva (metade, um terço, um quarto...) e representação simbólica (DUVAL, 2003, 2010, 2014).

Nenhum dos alunos, nas diferentes divisões que realizaram, dividiu o inteiro em partes iguais, mostrando dificuldades para observar e realizar a partir de um contexto apresentado, sendo essas ações consideradas competências cognitivas fundamentais para a elaboração do conceito de número racional (OLIVEIRA, 2019).

Quando cada aluno expôs suas representações, foi discutida a necessidade de todos entendê-las. O fato de as partes não serem do mesmo tamanho, porque não foi realizada uma divisão equitativa, contextualizou uma discussão sobre como representar cada parte, pensando-se em um símbolo comum que remetesse ao entendimento da ação realizada e do conceito a ela associada, tal como pressupõe Vergnaud (1983, 1998, 2009). A natureza dessa discussão, baseada nas ações de dividir o inteiro, de relacionar as partes entre em si e estas com o inteiro, possibilitou entender que a mesma se aproximou da experiência compartilhada no sentido de D’Amore (2006).

(pesquisadora): “— Como ficaria se tivéssemos que pedir para alguém, usando essas representações, que tomasse essas partes iguais do inteiro? Teríamos que indicar para essa pessoa todas as representações que vocês fizeram? E se ela também tivesse uma forma de representar essas partes e vocês não soubessem o significado? E se tivéssemos em um grupo maior, por exemplo, uma escola inteira, uma cidade, um país, onde cada pessoa representasse de um jeito? Como resolver isto?

Essa discussão oportunizou a transição do entendimento do conceito de número inteiro para o conceito de número racional na perspectiva relacional, que embasa o significado de relação parte-todo (BROWN, 2015). Isto aconteceu quando a pesquisadora intencionalmente levou os alunos a relacionarem a parte com o todo que lhe deu origem, refletindo para responder a questão: “- o que esta parte é em relação ao todo?” e como medida, que pode utilizar-se da contagem (BROWN, 2015): “— Quantas partes iguais a esta são necessárias para montar o círculo inteiro?”.

Na resposta a essas questões, ao utilizar os discos fracionários, a maioria dos 7 alunos apresentou dificuldade para representar uma parte do disco fracionário, no contexto de relação parte-todo, pois diziam a cor da peça associada à contagem de uma peça, ou seja, ao número 1: “... uma vermelha”, “... uma verde...”, evidenciando o não entendimento do aspecto relacional do número racional, agindo com o inteiro e sua fração como se fossem quantidades separadas reapresentando o problema da dupla contagem: divide-se o inteiro, contando um número de partes iguais para essa divisão e conta-se um número dessas partes ao tomá-las. Atividades que identificam a dupla contagem frequentemente se apresentam no ensino sobre fração, levando a entendê-la como o número de partes pintadas sobre o número total de partes.

Para Magina e Campos (2008) a dupla contagem (quantidades tomadas como isoladas) favorece raciocínios baseados principalmente em aspectos perceptivos, que se estendem à comparação e ordenação de frações, minimizando as necessárias relações lógico-matemáticas envolvidas na conceitualização de uma fração, que se apresentam necessárias para a diferenciação de outros significados de um número racional.

Na sequência, a exploração do conteúdo da representação a/b teve início com questões que visavam o entendimento do aspecto relacional de uma parte com o todo (BROWN, 2015). Assim, essas questões foram o contexto para a conversão entre a linguagem discursiva, que trazia em si esse aspecto relacional, e a representação a/b.

Pesquisadora (referindo-se aos diferentes discos fracionários que estavam como os alunos): “— Posso representar com números uma parte de cada divisão que realizamos no inteiro?”.

Pesquisadora (referindo-se à representação de uma parte de um inteiro que foi dividido em quatro partes iguais): “—Por que a representação não é só com o número 1? Por que não é só com o número 4? E se pegarmos 2 partes? E 3 partes? Como representamos na forma a/b?”.

Essa atividade pretendia que os alunos superassem a utilização do conceito de número inteiro na relação parte – todo, na qual não há 1 peça ou o número 1. O que há é uma relação entre quantidades (partes) e seu respectivos todo, que se representa, por exemplo, por 1/3, 1/4, 1/8.

A exploração da relação parte – todo foi realizada com situações e questões, fundamentadas nos pressupostos de D’Amore (2006) e de Duval (2003, 2010, 2014).

Pesquisadora: “—O que acontece com o tamanho de cada parte quando o inteiro foi dividido em mais partes? Por exemplo: 1/3 indica que o inteiro foi dividido em 3 partes iguais. E 1/8 indica que o inteiro foi dividido em 8 partes iguais.”.

Pesquisadora: “—Quando você compara o tamanho dessas partes, o que você percebe?”.

As respostas dos alunos e as mediações da pesquisadora oportunizaram aos mesmos entender que: 1) na divisão do todo em partes iguais não há sobra do mesmo e quando todas as partes são somadas formam novamente o todo; 2) a relação entre o número de divisões de um inteiro e o tamanho de suas partes é inversa; 3) há diferença entre partes iguais e partes equivalentes e 4) é preciso observar e refletir sobre as situações: 1/3 de um círculo e 1/3 de 12 balas.

A representação da ordenação entre frações foi inicialmente realizada pelos alunos utilizando todas as peças fracionárias. A representação do material manipulável (representação figural) tornou-se uma referência para os alunos na conversão para a representação a/b solicitada nos itens a e b da Atividade I (Figura 3). É possível inferir que sem a conversão entre as representações, certamente predominaria o aspecto perceptivo para a ordenação de frações, como apontado por Magina e Campos (2008).

Todos os alunos acertaram os itens a e b da Atividade I (Figura 3), permitindo entender que na ordenação de frações, tanto a representação figural foi fundamental para a representação matemática como a orientação de ordenação dada pela expressão “da maior para a menor” (item a) e “da menor para a maior” (item b). É possível que os alunos tenham percebido o que não variou ou o invariante conceitual nessas duas representações (VERGNAUD,1998, 2009, 2019; DUVAL, 2010) apesar de serem diferentes, o que levou à correta realização da atividade.


Figura 2
Atividades para comparar frações a partir da conversão entre representações
Atividade realizada pelo Aluno A4

As expressões “da maior para a menor” (item a) e “da menor para a maior” (item b), no contexto da atividade, levaram a pesquisadora a propor o uso dos sinais de maior (>) e de menor (<), representando intencionalmente a ordenação como uma conversão entre 2 diferentes representações (DUVAL, 2010).

Os resultados para os itens a e b vão ao encontro dos pressupostos de Vergnaud (1983, 1998, 2009) para a consolidação de um conceito: contexto, propriedades (invariantes) e representações, que também explicam erros no item c e na questão 2 (Figura 3), que não dispunham da sequência figurativa e solicitavam a comparação das frações escritas na forma a/b, utilizando os sinais de maior que (>) e menor que (<) respectivamente.

Esse novo contexto de comparação e de conversão entre representações (DUVAL, 2010) possivelmente levou a A1 e A4 a errarem o item c e A4 e A5 a errarem a questão 2, que foi acertada por A1, A2, A3 e A7, tendo vestígios de ter sido apagada e refeita por A1 e A2. Somente A6 deixou a questão 2 em branco.

As respostas aos itens a, b e c e ao item 2 realizadas por A1, por exemplo, permitem entender como que a estabilidade quanto à comparação entre frações unitárias, anteriormente demonstrada por A1 no trabalho realizado com as peças fracionárias manipuláveis, não se manteve. Exemplo disto é que A1 havia escolhido peças diferentes, cuja comparação permitia observar que 1/5 é menor do que 1/4, e mesmo tendo a representação discursiva da relação “menor que”, utilizou o símbolo da relação maior que (>).


Figura 3
comparação de frações a partir da conversão entre representações
elaboração a partir dos dados da pesquisa

A partir de dificuldades apresentadas por outros alunos quanto aos significados dos símbolos de maior (>) e de menor (<), estes símbolos foram explorados pela pesquisadora levando os alunos a pensarem sobre a possibilidade de se ter quaisquer outros símbolos para representarem matematicamente essas comparações (maior que, menor que), mas que independentemente do símbolo utilizado, todos devem entendê-lo como representando uma comparação. Assim, a ideia de consenso do significado de um símbolo foi explorada.

(Pesquisadora): “—Imaginem que André, para representar que meio é maior do que dois terços, utilize a seguinte expressão: 1/2 * 2/3, que João para representá-la faça assim: ½ # 2/3 e que Ana represente assim: 1/2 // 2/3.”.

(Pesquisadora): “—Seria possível qualquer pessoa entender que todos eles estão representando a mesma ideia?”.

A despeito da correta elaboração sequencial, por todos os alunos, utilizando as peças dos discos fracionários, as respostas às questões sobre ordenação mostraram a instabilidade da consolidação do conceito do número racional como relação parte-todo tendo em vista as mudanças de contextos, que certamente necessitavam de diferentes esquemas de observação, do mesmo modo que os alunos necessitavam de diferentes entendimentos cognitivos quando foram realizar a conversão entre representações (DUVAL, 2010), principalmente quanto à diferenciação entre o símbolo de maior (>) e o símbolo de menor (<). Essa dificuldade para a maioria dos alunos se mostrou instável: em algumas situações a conversão era correta, em outras não.

No desenvolvimento do conceito de equivalência, a comparação entre frações exigiu da pesquisadora ações concomitantes com os alunos: leitura, justaposições e uniões de peças fracionárias. Não ocorreu de forma satisfatória o reconhecimento de equivalência de áreas que levasse a compreender que 1 peça roxa (metade) equivalia a 5 peças laranjas (cinco décimos). Quando os alunos eram estimulados a compararem as peças (Figura 3), a equivalência numérica não se apresentava de imediato em linguagem matemática, tal como , indicando a necessidade de mediação da pesquisadora para que conversões e tratamentos entre as diferentes representações acontecessem.

Assim, o tratamento entre as representações e as conversões entre representação figural (peças fracionárias) e a representação aritmética foi sustentado pela representação oral: os alunos foram incentivados a lerem as frações como 1 para 2, 5 para 10, com a finalidade de que entendessem a permanência do conceito de metade ou o invariante operatório no sentido de Vergnaud(1983, 1998, 2009). Supõe-se que a mediação oral levou os alunos a reconhecerem o mesmo significado matemático nas diferentes representações. Portanto, minimizando a perda desse significado que acontece diante a conversões e/ ou tratamentos (D’AMORE, 2006).

A equivalência entre números racionais, com o significado de frações foi trabalhada, por exemplo, na Atividade III, descrita na Tabela 1 com seus respectivos resultados.

Tabela 1
Resultados para a Atividade III sobre equivalência entre frações da unidade

dados da pesquisa

Mesmo com as mediações da pesquisadora, o desenvolvimento do conceito de equivalência, por meio de conversões e tratamentos, a partir de suas diferentes propriedades (DUVAL, 2010), apresentou resultados difusos, diferentemente daqueles para a relação parte-todo e a ordenação.

Conforme a Tabela 1, todos os alunos tiverem êxito nas intencionais conversões entre representações do conceito de metade, indo ao encontro dos pressupostos de Vergnaud (1983, 1998, 2009) sobre a ideia de invariante na formação de um conceito, neste caso, a metade, e igualmente de Duval (2010) sobre a necessidade de conceituar através da conversão entre representações matemáticas. É possível que as características dos discos fracionários que representam essas frações, em termos do número de peças, tenham acarretado a comparação perceptiva, contribuindo para as corretas conversões realizadas por todos os alunos.

Do mesmo modo, supõe-se que o conceito de metade, um dos primeiros a serem desenvolvidos no campo numéricos dos racionais, contribuiu para o êxito nessa conversão. Essa suposição se assegurou diante erros e dificuldades demonstradas pelos alunos para a compreensão da equivalência entre 6/ 8 e 3/4. Nenhum aluno identificou corretamente essa equivalência (Tabela 1), apresentando como resposta, por exemplo: “Oitavo é igual a três quartos” (A1); “Precisa de três peças” (A3); “Seis oitavos vale quartos” (A5). Ainda A4 respondeu que “Seis oitavos vale uma metade”. Nessas respostas, evidenciam-se os conflitos entre os sentidos atribuídos ao conteúdo matemático de cada nova conversão e/ou tratamento como elucidados por D’Amore (2006).

A inconsistência entre os resultados, dadas as características das frações utilizadas motivam e justificam o desenvolvimento de pesquisa cujos resultados possam tanto ser referências para a prática pedagógica quanto ampliar os referenciais teóricos sobre o processo de ensino e aprendizagem de frações, suas equivalências e respectivas formas de representação.

5. Considerações finais

Buscamos oportunizar a alunos de 7º ano, que mostraram não ter consolidado o conceito de número racional, a vivência de situações didático-pedagógicas, sistematizadas no sentido de promoverem o desenvolvimento e a coordenação das competências e habilidades, tais como: observar, realizar e compreender, associadas às frações, suas ordenações e equivalências.

Com essa finalidade, elaboramos atividades referenciadas em pressupostos teóricos, que intencionalmente levaram a trabalhar, no plano cognitivo, com o aspecto relacional para o entendimento do número racional, a partir da relação parte-todo (fração), bem como os conceitos de ordenação e de equivalência.

Em conformidade com resultados e análises apresentados, é possível concluir que para esses alunos, a compreensão do número racional, com o significado de relação parte-todo, foi significativamente elaborada tendo em vista o aspecto relacional considerado nas mediações realizadas pela pesquisadora entre atividades propostas e devolutivas dos alunos.

Pode-se afirmar que o aspecto relacional foi fundamental para a superação da compreensão da representação a/b como a combinação de dois números inteiros, o que certamente contribuiu para o desempenho ruim desses alunos quanto ao número racional em avaliação anterior. Do mesmo modo, para a ordenação de números racionais, o aspecto relacional foi efetivo ao ser reapresentado através de questionamentos quando a ordenação estava incorreta, permitindo entender que tenha se tornado um esquema (SKEMP, 1980).

Consideramos a pertinência de que diferentes e intencionais experiências com tratamentos e conversões entre as representações nas atividades tenham oportunizado aos alunos reconhecerem o que é comum ou invariante para os significados trabalhados (relação parte-todo, ordenação e, em algumas situações, para equivalência) independentemente da representação utilizada, realizando assim uma abstração, sendo esta um “... certo tipo de mudança mental, [...], que nos capacita para reconhecer novas experiências com uma classe já formada.” (SKEMP, 1980, p. 26). Contudo, o esquema para a ideia de equivalência não se mostrou desenvolvido pelos alunos, dadas as diferenças de resultados diante à variedade das frações apresentadas.

Os resultados da 1ª fase da pesquisa, em parte, reapresentaram-se na 2ª fase no sentido de que as competências para observar e realizar foram fundamentais nas ações de tratamento e conversões entre as representações fracionárias.

Tendo em vista que “A originalidade da atividade matemática está na mobilização simultânea de ao menos dois registros de representação [...] ou na possibilidade de trocar a todo momento de registro de representação.” Duval (2010, p.14), os alunos conseguiram participar da atividade matemática proposta.

A participação dos alunos nas atividades revelou aprendizagens e igualmente o entendimento do contexto motivacional que se fez presente, por exemplo, na superação da não realização das atividades. Superação na qual erros e acertos evidenciaram a imprescindível participação do aluno no próprio processo de aprendizagem.

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