Artigos Científicos

Um estudo sobre o uso da estimativa na resolução de tarefas matemáticas por alunos do quinto ano do Ensino Fundamental

A study on the estimation and resolution of mathematical tasks by fifth grade students

Un estudio sobre la estimación y resolución de tareas matemáticas por estudiantes de quinto grado

Wagner Monger
Universidade Estadual Paulista, Brasil
Giovana Pereira Sander
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil
Evandro Tortora
Universidade Estadual Paulista, Brasil

Revista de Educação Matemática

Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil

ISSN: 2526-9062

ISSN-e: 1676-8868

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 18, e021027, 2021

sbem.sp.revista@gmail.com

Recepção: 15 Fevereiro 2021

Aprovação: 27 Abril 2021

Publicado: 05 Junho 2021



DOI: https://doi.org/10.37001/remat25269062v18id548

Copyright Revista de Educação Matemática 2021.

Resumo: A estimativa é considerada como um tipo de cálculo matemático a ser trabalhado nos anos iniciais em situações em que compreendemos a relação entre o contexto e o cálculo necessário para resolvê-lo com valores aproximados. Partindo disso, buscamos investigar o seguinte problema de pesquisa: Quais as noções de estimativa de alunos do 5.º ano do Ensino Fundamental foram compreendidas e aplicadas em situações de cálculo? Esta pesquisa teve como objetivo analisar como os alunos do 5.º ano do Ensino Fundamental compreendem a relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário focando no uso da estimativa para resolver tarefas matemáticas. Participaram desta pesquisa, 50 alunos de duas salas do 5.º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual do município de Bauru - SP. Os instrumentos utilizados foram: 1) Questionário, que tinha por finalidade caracterizar os participantes em termos de idade, gênero bem como sua percepção de desempenho em Matemática de forma geral e 2) Tarefas matemáticas, que tinha o objetivo de investigar o uso da estimativa pelos alunos. Os resultados obtidos com esses instrumentos evidenciaram que os alunos não conseguem utilizar a estimativa como uma estratégia mais eficiente para a solução da tarefa matemática, dando maior ênfase a cálculos cujos resultados são exatos, mais especificamente, a algoritmos. Assim, concluímos que, de forma geral, os alunos participantes dessa pesquisa não conseguem utilizar a estimativa como uma estratégia mais eficiente para a resolução das tarefas matemáticas apresentadas.

Palavras-chave: Estimativa, Sentido de número, Anos iniciais do Ensino Fundamental.

Abstract: Estimative can be considered as a kind of mathematical calculation to be worked on in the early years of elementary school in situations where we understand the relationship between the context and the calculation necessary to solve it with approximate values. Based on this, we seek to investigate the following research problem: What were the notions of estimative of students of the 5th grade of elementary school were understood and applied in situations of calculation? This research aimed to analyze how 5th grade students understand the relationship between the context of the problem and the calculation needed focusing on the use of estimative to solve mathematical tasks. Fifty students from two classrooms of the 5th grade of elementary school of a state school in Bauru, SP, participated in this research. The instruments used were: Questionnaire, which aimed to characterize the participants in terms of age, gender as well as their perception of performance in Mathematics in general and 2) Mathematical tasks, which aimed to investigate the use of estimative by students. The results obtained with these instruments showed that students are unable to use estimative as a more efficient strategy for solving the mathematical tasks, placing more emphasis on calculations whose results are accurate, more specifically, on algorithms. So, we can conclude that, in general, students who participated in this research cannot use the estimative as a more efficient strategy to solve the presented mathematical tasks.

Keywords: Estimate, Number Sense, Early years of elementary school.

Resumen: La estimación se considera como un tipo de cálculo matemático para trabajar en los años iniciales en situaciones en las que entendemos la relación entre el contexto y el cálculo necesario para resolverlo con valores aproximados. En base a esto, buscamos investigar el siguiente problema de investigación: ¿Cuáles fueron las nociones de estimación de los estudiantes en el quinto año de la escuela primaria que se entendieron y aplicaron en situaciones de cálculo? Esta investigación tuvo como objetivo analizar cómo los estudiantes en el quinto año de la escuela primaria entienden la relación entre el contexto del problema y el cálculo necesario, centrándose en el uso de la estimación para resolver tareas matemáticas. Participaron en esta investigación, 50 estudiantes de dos aulas del quinto año de la escuela primaria en una escuela estatal en la ciudad de Bauru - SP. Los instrumentos utilizados fueron: 1) Cuestionario, que tenía como objetivo caracterizar a los participantes en términos de edad, género, así como su percepción del rendimiento en Matemáticas en general y 2) Tareas matemáticas, cuyo objetivo era investigar el uso de la estimación por estudiantes Los resultados obtenidos con estos instrumentos mostraron que los estudiantes no pueden usar la estimación como una estrategia más eficiente para resolver la tarea matemática, poniendo mayor énfasis en los cálculos cuyos resultados son precisos, más específicamente, algoritmos. Por lo tanto, concluimos que, en general, los estudiantes que participan en esta investigación no pueden usar la estimación como una estrategia más eficiente para resolver las tareas matemáticas presentadas.

Palabras clave: Estimar, Sentencia de número, Primeros años de la escuela primaria.

1. Introdução

A Matemática é muito reconhecida por sua exatidão, no entanto, em nosso cotidiano, muitas vezes recorremos a ela, mas de uma forma não tão exata. Em uma compra no supermercado, por exemplo, arredondamos os valores dos produtos que precisamos comprar para verificar se temos a quantia de dinheiro necessária para compra recorrendo a cálculos por estimativa. Segundo os “Princípios e Normas para a Matemática Escolar” (National Council of Teachers of Mathematics – NCTM, 1991), cálculos por estimativa confrontam essa ideia de exatidão da Matemática uma vez que é possível usar termos como “pouco mais, pouco menos, cerca de, perto de, entre, um pouco mais, um pouco menos” (NCTM, 1991, p. 45).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), já discutiam questões semelhantes ao apontarem que “Se Matemática pura e aplicada não se contrapõem, também a característica de exatidão não diminui a importância de teorias como das probabilidades, nem de procedimentos que envolvem a estimativa e a aproximação” (BRASIL, 1997, p. 24).

Mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) propõe que o aluno reconheça as diversas categorias numéricas e possa compreender os diversos significados das operações matemáticas, sendo capaz de elaborar estratégias de cálculo, sobretudo por estimativa e cálculo mental, mas também cálculo algorítmico e com o uso de calculadora.

Embora os currículos preconizem a importância do ensino de números e operações nos anos iniciais do Ensino Fundamental, parece que o foco maior é no ensino de algoritmos em detrimento de outros tipos de cálculo, como o cálculo mental e por estimativa.

As pesquisas realizadas por Oliveira, Sampaio e Batista (2016) e por Nogues e Duro (2016) mostraram que alunos do Ensino Fundamental têm um olhar atento em relação aos problemas, no que diz respeito ao trabalho com estimativa em sala de aula e que as estimativas se tornam mais precisas de acordo com a idade e a experiência. Contudo, Nogues e Duro (2016) também mostraram que alunos de 5.º e 6.º anos não são hábeis estimadores. Em complemento, a pesquisa de Sander (2018) evidenciou que alunos do 3.º ano do Ensino Fundamental pouco compreendem a relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário quando há a possibilidade do uso da estimativa.

Este trabalho aborda o uso da estimativa por alunos do final dos anos iniciais do Ensino Fundamental ligado ao desenvolvimento do sentido de número pelos alunos.

Ao se pensar em desenvolver o sentido de número dos alunos, encontramos a necessidade de se migrar o foco do ensino da matemática centrado em algoritmos para um trabalho voltado a compreensão dos números e operações. Essa mudança de foco é necessária por conta de problemáticas apontadas em pesquisas já desenvolvidas há mais tempo, como o trabalho desenvolvida por McIntosh, Reys e Reys (1992), a qual identificou adultos que demonstravam um ótimo desempenho em cálculos algorítmicos, mas um baixo conhecimento de relações aritméticas. Por outro lado, também verificaram que crianças que não conseguiam usar adequadamente o algoritmo compreendiam os números suficientemente bem para adequar o seu próprio procedimento de cálculo às situações que lhes eram propostas para resolver. De acordo com os autores, compreender a relação entre o contexto de um problema e os cálculos necessários para sua resolução, o que abrange o reconhecimento de dados exatos ou aproximados bem como a conscientização de que as soluções de problemas também podem ser exatas ou aproximadas, ou seja, o uso ou não de estimativas, é aspecto a ser evidenciado quando falamos em Sentido de número.

Partindo disso, pretende-se neste artigo analisar como os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental compreendem a relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário focando no uso da estimativa para resolver tarefas matemáticas. Para isso, buscamos responder ao seguinte problema de pesquisa:

Quais as noções de estimativa de alunos do 5.º ano do Ensino Fundamental foram compreendidas e aplicadas em situações de cálculo?

2. A Estimativa na perspectiva do Sentido de número

Carraher, Carraher e Schliemann (1995), em seu livro “Na vida dez, na escola zero”, apresentam casos de vendedores ambulantes, considerados numeralizados, que não dominam a matemática escolar, porém são capazes de fazer cálculos mentais considerados complexos.

Ser numeralizado, de acordo com Nunes e Bryant (1997), compreende um sentido numérico em que demonstramos certa proximidade com o mundo dos números, seu cotidiano, seu uso e a maneira de pensar matematicamente em várias situações que vão além do contexto escolar.

O termo numeramento, que remete a ser numeralizado, refere-se a uma analogia ao termo letramento. De acordo com Spinillo (2006, p. 85),

Ser numeralizado requer familiaridade com o mundo dos números, pensar matematicamente em situações diversas, empregando sistemas eficientes de representação e compreendendo as regras lógicas que regem os conceitos matemáticos inseridos nessas situações.

Desta forma, segundo a autora, tornar-se numeralizado está associado ao desenvolvimento do sentido de número.

Delgado (2013) explica que o sentido de número é o resultado da reflexão de três aspectos que se cruzam, a saber: a capacidade e o conhecimento necessário para lidar com os problemas relacionados aos números que surgem no seu cotidiano; aquilo que dever ser valorizado no ensino de números; e operações e as concepções sobre a aprendizagem da Matemática.

Ao categorizar os conhecimentos necessários para lidar com números e operações com compreensão, diversos autores buscam conceitualizar o Sentido de número. De acordo com McIntosh, Reys e Reys (1992, p. 4), o sentido de número

refere-se ao conhecimento geral que uma pessoa tem acerca de números e das suas operações a par com a capacidade e inclinação para usar esse conhecimento de forma flexível para construir raciocínios matemáticos e desenvolver estratégias úteis para lidar com números e operações. Reflecte uma inclinação e uma capacidade de usar números e métodos quantitativos como meio de comunicação, processamento e interpretação de informação. Resulta numa perspectiva de que números são úteis e de que existe uma certa ordem na Matemática.

Segundo Sowder (1995), ter clareza em relação aos números, sua interpretação e seu uso, refere-se ao sentido numérico. Yang (2003) complementa que o sentido de número é a forma maleável e eficaz de utilizar os números em situações cotidianas que vai além da escola.

Já o Princípios e Normas para a Matemática Escolar (National Council of Teachers of Mathematics – NCTM, 1991) indica que:

uma criança possui o sentido de número quando: (1) compreende os significados de número; (2) desenvolveu múltiplas relações entre os números; (3) reconhece a grandeza relativa dos números; (4) conhecer o efeito relativo de operar com os números; (5) desenvolve padrões de medida de objetos comuns e de situações no seu meio ambiente (p. 48).

Segundo Spinillo (2006), o sentido de número ou sentido numérico, pode ser compreendido como uma habilidade que possibilite que o indivíduo encare de forma exitosa e maleável com o uso de diversos recursos e circunstâncias do cotidiano que compreendem a Matemática. É uma boa percepção sobre números, sobre seus vários sentidos, seus usos e funções; uma intenção de atribuir significado para as situações numéricas.

O sentido de número não apresenta somente uma definição, porém entendemos que é um processo contínuo, além de ser facilitador no que se refere aos conhecimentos matemáticos, pois apresenta inúmeros recursos que flexibilizam as operações que envolvem números e cálculos por meio da estimativa. O indivíduo com sentido de número consegue perceber facilmente a relação dos números e os seus diversos significados, eles se sentem confiantes e confortáveis em relação aos números, usando-os e interpretando-os de maneira a fazerem sentido.

Ou aspecto importante relativo ao sentido de número é a destreza com o cálculo mental. De acordo com Buys (2008), o cálculo mental é aquele cálculo que acontece de maneira flexível e acessível, usando todos os tipos de relações numéricas e propriedades aritméticas. Ainda, os autores descrevem o cálculo mental como sendo:

Uma habilidade matemática elementar que não está estritamente relacionada a uma determinada área dos números ou a determinadas operações. Em primeiro lugar, é uma maneira de se aproximar de números e informações numéricas em que os números estão e lidar de uma maneira acessível e flexível (BUYS, 2008, p. 122).

Segundo Brocardo et al. (2005), o desenvolvimento do sentido de número surge relacionado à obtenção de habilidades de cálculo mental, porque estas habilidades demandam um bom conhecimento e compreensão dos números e das relações entre eles.

Os PCN (BRASIL, 1997), sobre o cálculo mental, salientam que:

pode-se dizer que se calcula mentalmente quando se efetua uma operação, recorrendo-se a procedimentos confiáveis, sem os registros escritos e sem a utilização de instrumentos (BRASIL, 1997, p. 76).

Contudo, na perspectiva do sentido de número, o cálculo mental é uma técnica importante e fundamental para o desenvolvimento intelectual do aluno e para o ensino da Matemática. Na sala de aula, é possível constatar um uso excessivo de regras, resoluções por meio de estratégias padronizadas, irrelevantes para professores e alunos, empregando-se problemas rotineiros e que não desenvolvem a criatividade e autonomia em matemática (BERTICELLI, 2017).

Heuvel-Panhuizen e Buys (2008) explicam que o aspecto chave dessa forma de cálculo é que ele ocorre “na cabeça” e não “de cabeça”. Sendo assim, quando necessário, os resultados intermediários de um cálculo podem ser anotados para que a pessoa não se perca em seu raciocínio. Parra (1996) entende o cálculo mental da seguinte forma:

como o conjunto de procedimentos em que, uma vez analisados os dados a serem tratados, estes se articulam, sem recorrer a um algoritmo pré-estabelecido para obter os resultados exatos ou aproximados (PARRA, 1996, p.189).

No que se refere ao algoritmo, Buys (2008) salienta que é possível ser considerado como uma estratégia de cálculo padronizada que pode ser entendido como um método cristalizado e abstraído do cálculo mental. Isto é, os algoritmos tradicionais de lápis e papel, geralmente ensinados de forma mecânica e sem sentido na maioria das escolas, podem ser vistos como uma técnica mais organizada cujo entendimento é atribuído pelo trabalho com o cálculo mental.

Diante de um problema em que se faz necessário o uso de cálculo, precisamos tomar certas decisões. Neste sentido, o esquema de Moor e Brink (2001), adaptado por Brocardo (2011), apresenta um resumo de prováveis tomadas de decisões referentes ao cálculo utilizado, seja ele mental, algorítmico ou ainda por estimativa, perante um problema, apresentado a seguir.

Síntese possíveis tomadas de
decisões a respeito do cálculo a ser utilizado
Figura 1
Síntese possíveis tomadas de decisões a respeito do cálculo a ser utilizado
Fonte: Brocardo (2011, p. 5)

O esquema apresentado na Figura 1 simboliza que, defronte de um problema que implica a realização de um cálculo, temos que investigar se o caso exige um valor exato ou um valor global para resolvê-lo. Então, se para solucionar o problema for necessário um valor exato, podemos encontrá-lo através de cálculo mental, por um algoritmo ou mesmo por meio de uma calculadora. Se o problema exige um valor global, é possível alcançá-lo por meio de uma estimativa. Ao efetuarmos um cálculo por estimativa, é possível utilizar um cálculo mental, um algoritmo ou utilizar uma calculadora, nos quais os valores empregados serão números aproximados.

Entendemos por estimativa como uma forma de aritmética, na qual são “ignorados” os “detalhes de números”, arredondando-os para o número mais próximo, como um múltiplo de dez, cem, mil, e assim por diante (HEUVEL-PANHUIZEN; BUYS, 2008).

De acordo com Brocardo (2011), a estimativa possui relação com demais tipos de cálculo visto que é possível pressupor ou presumir a grandeza do resultado que desejamos através de uma estimativa ou ainda julgar se o resultado obtido de um cálculo exato é adequado.

McIntosh, Reys e Reys (1992) complementam que um dos componentes do Sentido de número é a Aplicação do conhecimento e da destreza com os números e as operações em situações de cálculo. Neste componente, uma de suas características é compreender a relação entre o contexto de um problema e os cálculos necessários nos quais o reconhecimento de dados como exatos ou aproximados e a consciencialização de que as soluções podem ser exatas ou aproximadas se referem à possibilidade de usar a estimativa. Sendo assim, compreendemos que a estimativa faz parte do Sentido de número.

O ensino de cálculo fazer com que o aluno desenvolva e sistematize estratégias de operações por estimativa e métodos de pesquisa e controle de resultados. Assim, a estimativa pressupõe a estruturação de estratégias e seu desenvolvimento e aprimoramento decorre do trabalho contínuo com aplicações, análises e interpretações a partir dos resultados exatos. Os mecanismos de cálculo por estimativa se desenvolvem de forma simultânea com os métodos do cálculo mental (BRASIL, 1997).

Ainda, os PCN (BRASIL, 1997) apontam que:

A estimativa constrói-se juntamente com o sentido numérico e com o significado das operações e muito auxilia no desenvolvimento da capacidade de tomar decisões. O trabalho com estimativas supõe a sistematização de estratégias. Seu desenvolvimento e aperfeiçoamento depende de um trabalho contínuo de aplicações, construções, interpretações, análises, justificativas e verificações a partir de resultados exatos (BRASIL, 1997, p. 77).

A estimativa também é discutida no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)[4]. Nele, a estimativa é mostrada como fundamento para a percepção do sentido numérico (BRASIL, 2014). De acordo com Spinillo (2014):

A estimativa permite uma menor ênfase na quantificação numérica e maior ênfase nos princípios subjacentes ao conhecimento matemático. Em inúmeras ocasiões, observamos que as crianças compreendem alguns conceitos matemáticos antes mesmo de adquirirem habilidades de computação numérica. Embora uma noção desenvolvida dos conceitos matemáticos requeira quantificações numéricas precisas, é importante considerar que as noções mais elementares se estruturam, inicialmente, a partir de estimativas e julgamentos do tipo maior que, menor que, igual a (SPINILLO, 2014, p. 24).

Partindo disso, é possível entender a estimativa como um cálculo que fazemos para solucionar problemas que utilizam diferentes técnicas de cálculo aproximado. Esses cálculos não precisam ser, necessariamente, exatos. Em se tratando de estimativa, podemos destacar as pesquisas de Giongo, Quartieri e Rehfeldt (2013), Lacerda, Leite e Santos (2013), Nogues e Duro (2016) e Oliveira, Sampaio e Batista (2016).

A pesquisa de Giongo, Quartieri e Rehfeldt (2013), que teve como locus cursos de formação continuada para professores do Ensino Fundamental (anos iniciais e finais), abordou o uso da estimativa nas aulas de Matemática como um dos temas desenvolvidos. Nestes cursos, eram discutidas diversas formas de introduzir atividades referentes a temas na área da Matemática para cada nível e foi constatado que os professores apresentaram dificuldades na realização de atividades que abordam estimativas e justificaram que esse tema não fazia parte de sua formação escolar e acadêmica Giongo, Quartieri e Rehfeldt (2013) concluíram que o uso de atividades que envolvem estimativa nas aulas de Matemática contribui para o desenvolvimento da motivação, aquisição de competências de cálculos aproximados e a capacidade de sistematização de estratégias.

Lacerda, Leite e Santos (2013), com o auxílio de alguns bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), decidiram elaborar uma oficina que foi apresentada aos alunos do curso de Pedagogia da mesma universidade, numa disciplina de Prática de Ensino.

Ainda, Lacerda, Leite e Santos (2013) afirmam que oficina foi desenvolvida com ênfase em discussões coletivas com o objetivo de discutir sobre a maneira como alguns valores foram adquiridos e sua validade. Outra situação apresentada foi: a estimativa feita pela Polícia Militar de São Paulo com a seguinte afirmação “Cerca de três milhões de pessoas participam nesta quinta-feira da Marcha para Jesus, que acontece em São Paulo, segundo estimativa da Polícia Militar.

Os autores formaram grupos de cinco estudantes, para que eles tivessem noção do tamanho de um metro quadrado. Eles utilizaram fita adesiva, jornais velhos, régua, tesoura e cola para construir um quadrado em área de um metro quadrado. Para que a sala pudesse ser medida, os estudantes encaixaram os metros quadrados construídos no chão e nas paredes, então, puderam perceber quantos quadrados desses cabiam. Apenas dois estudantes se aproximaram do valor exato.

Lacerda, Leite e Santos (2013) concluíram que a oficina obteve reflexos positivos, pois os estudantes participantes desta pesquisa colocaram em prática o que eles aprenderam, não somente na oficina, mas também no cotidiano. Eles foram estimulados a mudar a maneira como eles recebem as informações, não aceitando tudo de forma passiva.

A pesquisa de Nogues e Duro (2016) teve como objetivo avaliar como o desempenho em estimativa numérica de quantidade em alunos de 5.º e 6.º anos pode ter relação com o desempenho em habilidades aritméticas de adição, subtração e multiplicação.

Esse estudo foi realizado numa escola da rede municipal de ensino da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com 166 alunos, sendo 87 deles do 5.º ano e 79 do 6.º ano com idades entre 10 e 13 anos. Os pesquisadores utilizaram abordagem quantitativa, analisando se havia ou não uma evolução no desempenho no que diz respeito à idade, levando em conta as grandes diferenças no que se refere à organização curricular para os dois grupos de alunos de 5.º e 6.º ano.

Os autores aplicaram duas tarefas, a primeira tarefa aplicada, chamada de Avaliação da Capacidade de Realizar Estimativas (ACRE), consistiu em fazer uma estimativa de número de pontos, de cores iguais e tamanho, compartilhados em matrizes quadriculadas 10x1, 10x2 e 10x10 e a segunda, Teste de Desempenho Escolar (TDE) que avaliava as competências de cálculo aritmético dos alunos. Ambas as tarefas foram executadas de maneira coletiva, em diferentes dias e mostraram ser relativamente simples para aplicação em grandes grupos. Os alunos participantes da pesquisa não receberam o feedback referente as respostas.

Nogues e Duro (2016) concluíram que as estimativas se tornam mais precisas com a idade e a experiência, que os alunos não são hábeis estimadores, mesmo surpreendendo de forma positiva em seus resultados aritméticos na resolução de problemas envolvendo adição, subtração e multiplicação.

Oliveira, Sampaio e Batista (2016) realizaram sua pesquisa com alunos de 5.º ano de uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Taubaté, São Paulo. Foram realizados seis encontros presenciais com duração de 50 minutos cada. Em cada encontro, várias tarefas foram desenvolvidas e estas envolviam o cálculo mental.

Os alunos tiveram a liberdade para escolher qual estratégia eles usariam para resolver o problema proposto em cada tarefa. O uso da estimativa por meio de valores aproximados foi o mais utilizado pelos alunos e isso levou a pesquisadora a buscar compreender o seu significado, analisando o feito pelos alunos.

Duas tarefas foram escolhidas. A primeira, chamada de “O mais perto possível”, usava duas cartas numeradas com algarismos diferentes de 0 a 9, tendo como objetivo, formar o número que mais se aproximava de um certo número que havia sido apresentado.

Na segunda tarefa elaborada por Oliveira, Sampaio e Batista (2016), chamada de “Maior ou menor”, os alunos tiveram de realizar a comparação entre um valor e uma soma ou subtração de valores. O uso da estimativa novamente se fez presente através de valores aproximados como estratégia de resolução.

Dessa maneira, os autores concluíram que o trabalho com estimativa em sala de aula proporciona o olhar atento por parte dos alunos em relação aos problemas, colocando-os numa postura avaliativa diante de resultados obtidos para os quais os cálculos exatos não são, necessariamente, o melhor recurso. Porém, não significa que o cálculo exato deva ser deixado de lado em favor do cálculo mental.

3. Questões metodológicas da pesquisa

A pesquisa apresentada e discutida aqui é de natureza metodológica mista com o uso de métodos quantitativos e qualitativos para coleta e análise dos dados (MORAIS; NEVES, 2007) realizada no ano de 2019.

Esta pesquisa é parte de um Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia. Participaram da pesquisa 50 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, sendo 19 do gênero masculino e 31 do gênero feminino, de uma escola estadual do município de Bauru, escolhida por conveniência. Os participantes das duas turmas apresentavam idades que variavam entre dez e doze anos, sendo apenas dois alunos, um em cada turma, que tinham 12 anos. Segundo a coordenadora da escola, esses dois alunos ficaram retidos por apresentarem dificuldades de aprendizagem.

Foram tomados os devidos cuidados éticos com a pesquisa, sendo que os familiares das crianças foram conscientizados das etapas deste estudo e assinaram um Termo de Livre Consentimento autorizando as crianças a participar da pesquisa.

A coleta dos dados foi realizada em turmas de 5.º ano por estarem ao final do ciclo I do Ensino Fundamental, pressupondo que eles já estariam alfabetizados e com conhecimentos em Aritmética bem desenvolvidos.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram um questionário e um conjunto de tarefas matemáticas. O questionário tinha por objetivo caracterizar os participantes com seus dados pessoais, bem como sua autopercepção sobre seu desempenho em Matemática. Havia também duas perguntas referentes ao conceito de estimativa bem como o seu uso. Esse questionário foi construído com base em outros instrumentos já existentes na literatura, tais como Brito (1996) e Sander (2018).

Já o instrumento tarefas matemáticas foi elaborado de forma que possibilitasse o uso de estimativas em sua resolução. Assim, seria possível identificar de que forma os alunos do 5.º ano do Ensino Fundamental compreendem a relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário para resolvê-lo bem como as noções de que as soluções de problemas podem ser exatas ou aproximadas. Este instrumento era composto por tarefas, uma sem contexto, com itens a, b, c e d, e quatro tarefas com contexto, nas quais o uso da estimativa era uma estratégia viável para resolução.

As tarefas sem contexto foram elaboradas de forma a apresentar uma expressão numérica (uma de adição, uma de subtração, uma de multiplicação e uma de divisão) questionando se o resultado seria maior ou menor que um determinado número. Por exemplo, na adição, foi perguntado se “299 + 150 é maior ou menor que 400?”. Em seguida era solicitado para que o aluno explicasse como havia pensado para resolver a questão.

As tarefas com contexto também solicitavam que o aluno explicasse como havia pensado. Essas tarefas foram denominadas como “A compra de Ana”, “A compra de Lucas”, “Você já viveu 1000 dias?” e “Quantidade de alunos na escola”. A seguir, apresentamos um exemplo de uma das tarefas com contexto.

Tarefa “A compra de Ana”
Figura 2
Tarefa “A compra de Ana”
Fonte: Acervo do autor

Nas tarefas matemáticas, foram solicitados que os alunos explicassem como eles haviam pensado para resolver a tarefa solicitada, para que pudéssemos evidenciar sua compreensão na resolução da tarefa, aspecto esse relacionado ao Sentido de número.

Nas tarefas, os alunos puderam utilizar diversas estratégias, mas, por não solicitarem uma resposta com valores exatos, possibilitaram o uso da estimativa em sua resolução.

As tarefas que compõem esse instrumento foram retiradas e adaptadas de McIntosh, Reys e Reys (1992) Hoffman (2016) e do livro Projeto Teláris (DANTE, 2015).

A coleta de dados foi realizada em momentos distintos para cada turma com a aplicação dos instrumentos Questionário e Tarefas matemáticas.

Durante a coleta dos dados, os instrumentos foram lidos pelo pesquisador em voz alta aos alunos antes dos alunos resolverem, estando ele presente em todo momento de resolução para que, em caso de dúvidas por parte dos alunos, pudesse saná-las. Primeiro foi aplicado o instrumento tarefas numéricas seguido do questionário, para que as perguntas sobre estimativa não induzissem o uso dessa estratégia na resolução das tarefas. Além do mais, as respectivas professoras das turmas não estavam presentes nesse momento.

Para análise dos dados, foram criadas categorias a partir da resolução dos alunos e também da pesquisa desenvolvida por Sander (2018) que tinha como foco o Sentido de número. Primeiramente, foram criadas categorias que evidenciassem o desempenho dos alunos em termos de acerto e erro, bem como a explicação de como pensou para resolver a tarefa. Para tanto, o Quadro 1 apresenta as categorias necessárias para análise de desempenho nas Tarefas Matemáticas.

Quadro 1
Categorias de análise desempenho nas Tarefas Matemáticas
Categorias Descrição
Acertou tudo Acertou resposta e a explicação.
Errou resposta/acertou explicação Quando o aluno erra a resposta, mas acerta a explicação.
Acertou resposta/errou explicação Quando o aluno acerta a resposta, mas erra a explicação.
Acertou resposta/não explicou O aluno acerta a resposta, mas não explica como pensou.
Errou tudo O aluno erra resposta e explicação.
Em branco O aluno não resolve e deixa a tarefa em branco.
Fonte: Adaptado de Sander (2018)

O Quadro 2 apresenta as categorias de análise das estratégias de resolução das tarefas, a saber:

Quadro 2
Categorias de análise de estratégias de resolução das Tarefas Matemáticas
Estratégia de resolução Descrição
Algoritmo O aluno calcula por meio de dígitos e/ou com uso de procedimentos algorítmicos padrões.
Cálculo mental Calcula com valores globais dos números obtendo um valor exato como resultado.
Estimativa Quando o aluno reflete/opera com os números de forma global.
Outro/Indeterminado Quando não é possível compreender a estratégia utilizada pelo aluno.
Em branco O aluno não resolve e deixa a tarefa em branco.
Fonte: Adaptado de Sander (2018)

Importante ressaltar que as estratégias de cálculo mental poderiam ser baseadas na decomposição decimal dos números, na estratégia linear e nas estratégias variadas (BUYS, 2008). Por meio dessas categorias, os dados foram organizados em tabelas de modo possibilitar melhor análise.

De modo a diferenciar os alunos de cada turma utilizamos os termos T1, para uma das turmas do 5º ano e T2 para a outra turma. Os alunos também receberam um número para serem identificados. Eles serão identificados com T1 ou T2, dependendo de qual turma o aluno for seguido de um número.

4. Análise dos dados

No questionário respondido pelos alunos havia duas perguntas sobre a compreensão que eles tinham referente ao conceito de estimativa e ao seu uso. As tabelas 1 e 2 apresentam os dados provenientes dessas perguntas. A Tabela 1 apresenta as respostas dos alunos quanto a sua compreensão do que é estimativa.

Tabela 1
Distribuição dos participantes quanto a sua compreensão do que é estimativa
Compreensão do aluno T1 T2
Compreende o que é estimativa 0 1
Apresentou uma resposta incorreta 2 2
Salientou não compreender o que é estimativa 23 22
Total 25 25
Fonte: Autoria própri

Pela Tabela 1, a maioria dos alunos salientou que não sabe o que é estimativa, enquanto cinco alunos responderam que sabiam. Destes, apenas um aluno respondeu corretamente e sua resposta é apresentada na Figura 3.

 Resposta do aluno T2.37
sobre o que é estimativa
Figura 3
Resposta do aluno T2.37 sobre o que é estimativa
Fonte: Acervo do autor

A Tabela 2, apresentada a seguir, descreve a compreensão que os participantes têm sobre o uso da estimativa.

Tabela 2
Distribuição dos participantes quanto a sua compreensão da utilização da estimativa
Compreensão do aluno T1 T2
Compreende o uso da estimativa 0 1
Apresentou uma resposta incorreta 1 1
Não compreende 0 21
Em branco 24 2
Total 25 25
Fonte: Autoria própria

Em relação à compreensão sobre a utilização da estimativa, a Tabela 2 evidencia que apenas um aluno compreende o uso da estimativa, o mesmo aluno que respondeu corretamente a pergunta anterior, conforme a figura abaixo.

Resposta do aluno T2.37 sobre em quais situações
utiliza a estimativa
Figura 4
Resposta do aluno T2.37 sobre em quais situações utiliza a estimativa
Fonte: Acervo do autor

Lembrando que o questionário foi aplicado após as Tarefas matemáticas para que essas perguntas não influenciassem a escolha de cálculo feita pelo aluno, nota-se na Figura 4 que o aluno T2.37 utilizou uma das tarefas resolvidas para exemplificar o uso da estimativa. É possível notar em sua resposta que o aluno grifou a palavra “cerca”, provavelmente para reforçar que ele estava fazendo uma aproximação.

Dos alunos que não souberam dizer o que é estimativa, apenas um tentou responder à pergunta e sua resposta é apresentada na Figura 5. Os demais salientaram não saber ou não responderam.

Resposta do aluno T1.1 sobre
em quais situações utiliza a estimativa
Figura 5
Resposta do aluno T1.1 sobre em quais situações utiliza a estimativa
Fonte: Acervo do autor

O uso em si da estimativa pôde ser analisado a partir das tarefas presentes no instrumento Tarefas matemáticas. Nestas tarefas, o desempenho geral dos alunos foi analisado mediante as categorias apresentadas no Quadro 2, “Categorias de análise desempenho nas Tarefas Matemáticas”. A Tabela 3 apresenta os dados provenientes desta análise nas tarefas sem contexto.

Tabela 3
Distribuição dos alunos referente ao desempenho nas tarefas sem contexto
DESEMPENHO “299 + 150” “855 - 50” “25 x 9” “68 ÷ 4”
T1 T2 T1 T2 T1 T2 T1 T2
Acertou tudo 19 17 13 12 16 12 13 14
Errou resposta/acertou explicação 0 0 0 0 0 0 0 0
Acertou resposta/errou explicação 1 1 3 2 6 10 5 5
Acertou resposta/não explicou 1 4 6 7 0 0 1 2
Errou tudo 4 3 3 4 3 3 5 3
Em branco 0 0 0 0 0 0 1 1
Total 25 25 25 25 25 25 25 25
Fonte: Autoria própria

Podemos perceber, de acordo com a Tabela 3 que a maioria dos alunos conseguiu resolver as atividades propostas de forma total, ou seja, acertaram todos os passos da resolução e souberam explicar como pensaram para chegar ao resultado. Isso significa que esses alunos dominam as habilidades matemáticas necessárias para solucionar tarefas apresentadas a eles. Porém, podemos perceber que há aqueles que não dominam certas habilidades matemáticas necessárias para resolver a atividade.

Na figura a seguir, podemos ver a resposta do aluno T1.13, que exemplifica a categoria “Errou tudo” no item “855-50”.

Resolução do aluno T1.13
Figura 6
Resolução do aluno T1.13
Fonte: Acervo do auto

É possível perceber na Figura 6 que o aluno usou procedimento algorítmico de forma incorreta. De acordo com Brocardo, Serrazina e Kraemer (2003), um dos aspectos que torna importante o ensino de algoritmos diz respeito a sua eficácia, sendo que, desde que se apliquem bem as regras desse tipo de cálculo, ele sempre conduzirá a uma resposta certa. Contudo, é importante notar que o cálculo escolhido não garantiu o acerto na tarefa e, além do mais, a tarefa não havia solicitado uma resposta exata, podendo ser obtida por meio de outras estratégias de cálculo.

As tarefas com contexto tiveram o objetivo analisar se os alunos conseguem compreender o contexto do problema e identificar uma estratégia para resolvê-lo (MCINTOSH, REYS e REYS, 1992). Mesmo que haja a possibilidade de a atividade ser resolvida por meio de um cálculo exato, não é essencial que isso aconteça. Um cálculo por estimativa seria mais adequado, sendo que o mais importante é a grandeza da resposta nessa situação (SOWDER, 1988; HEUVEL-PANHUIZEN, 2008; BUYS, 2008). A Tabela 4 apresenta os dados referentes ao desempenho nas tarefas com contexto.

Tabela 4
Distribuição dos alunos referente ao desempenho nas tarefas com contexto
DESEMPENHO “A compra de Ana” “A compra de Lucas” “Você já viveu 1000 dias?” “Quantidade de alunos no período da tarde”
T1 T2 T1 T2 T1 T2 T1 T2
Acertou tudo 12 14 12 11 8 7 4 5
Errou resposta/acertou explicação 0 0 0 0 0 0 0 0
Acertou resposta/errou explicação 0 1 2 4 9 8 7 2
Acertou resposta/não explicou 9 3 7 3 7 4 7 5
Errou tudo 4 6 4 6 1 6 7 13
Em branco 0 1 0 1 0 0 0 0
Total 25 25 25 25 25 25 25 25
Fonte: Autoria própria

É possível notar que dependendo da tarefa solicitada, o aluno não apresentou domínio da habilidade matemática em questão, pois não conseguiu resolver a atividade e tampouco explicar como pensou para resolvê-la. Podemos perceber isso no item “Quantidade de alunos no período da tarde”, no qual 20 alunos (das turmas T1 e T2) erraram toda a tarefa. Vale destacar que os itens envolvem a estimativa, pois a maioria dos alunos souberam resolver a atividade, porém explicaram com certa dificuldade como haviam pensado para resolver ou acabaram por não explicar. Por exemplo, no item “Você já viveu 1000 dias?”, 11 alunos (das turmas T1 e T2) não explicaram como pensaram pra resolver a tarefa, mas podemos perceber que eles possuem as habilidades matemáticas para resolvê-las.

Na Figura 7, é possível perceber a resposta do aluno, que serve como exemplo referente à categoria “Acertou tudo”.

Resolução do aluno
T2.26
Figura 7
Resolução do aluno T2.26
Fonte: Acervo do autor

Nota-se que o aluno utilizou o algoritmo, e para explicar como pensou, descreveu as etapas do algoritmo da adição. Essa forma como apresentou sua explicação evidencia o quão “preso” ele pode estar nessa estratégia de cálculo ao resolver um problema matemático.

5. Considerações finais

A presente pesquisa teve como objetivo analisar como os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental compreendem a relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário focando no uso da estimativa para resolver tarefas matemáticas. Partimos do pressuposto de que o ensino prematuro do algoritmo faz com que o desenvolvimento de outras estratégias de cálculo, tais como o cálculo mental e por estimativa, seja limitado. Essas estratégias de cálculo auxiliam na compreensão do próprio número, das operações e de sua aplicabilidade, aspectos esses relativos ao desenvolvimento do sentido de número. Além disso, a utilização do algoritmo não vem garantindo o êxito na realização de cálculos, pois os alunos não conseguem compreender quais os procedimentos usados nele e como os números se “revelam” nesse processo.

Tendo como fundamentação teórica o Sentido de número que, de forma geral, diz respeito ao uso de números e operações com compreensão e que, em muitos casos, os alunos conseguem desenvolver conhecimentos e destrezas de forma apropriada, consideramos importante o desenvolvimento de diferentes estratégias de cálculo, como o cálculo mental e a estimativa, quando a intenção é trabalhá-los com compreensão.

Entendemos que a estimativa não é um conteúdo matemático, mas seu uso na sala de aula se faz necessária, pois através dela, o aluno é capaz de desenvolver técnicas de cálculos aproximados bem como o conhecimento de organização de mecanismos de resolução. Mesmo assim, não é em qualquer contexto que leva o aluno a fazer uma estimativa.

Pela análise dos dados, ficou evidenciado que somente um aluno soube explicar o que é estimativa. Isso demonstrou uma lacuna conceitual por parte dos alunos sobre o conceito de estimativa. Pudemos perceber também que, em muitos casos, os alunos fazem o uso da estimativa, porém desconhecem que estão utilizando esse método. Neste sentido, podemos questionar se o aluno não sabe o que é uma estimativa, será que o professor também não sabe ou não aborda esse tema de forma declarativa ou intencional?

Importante ressaltar que a forma como as tarefas foram estruturadas interferiram na escolha de estratégias de resolução dos alunos. Nas tarefas sem contexto e nas tarefas nas quais todos os valores necessários para resolver a situação estavam evidentes nos enunciados os alunos recorreram a estratégias que resultam num valor final exato. Já nas tarefas com contexto que requeriam um conhecimento prévio necessário para resolver a situação fizeram com que os alunos recorressem ao uso de estimativas. Neste sentido, podemos levantar a hipótese de que tais características influenciam no desempenho dos alunos, sendo pertinente um estudo mais aprofundado.

Desta forma, podemos concluir com este estudo que, de forma geral, os alunos que participaram desta pesquisa não possuem ou não desenvolveram as noções de estimativa e como aplicá-la em situações de cálculo, mesmo fazendo seu uso em alguns momentos para resolver as atividades propostas. Talvez seja uma limitação do instrumento utilizado ou pode ser que a escola ainda seja aquela da “reprodução”, ou do “faça como eu faço” e não a que ensine as crianças a pensar e a dar significado ao que foi “aprendido”. Eles não conseguiram perceber o contexto do problema e nem elaborar estratégias para resolvê-lo.

Por fim, podemos concluir também sobre a importância do uso da estimativa com compreensão, sendo esse, um aspecto do Sentido de número que pode ser abordado, principalmente, junto a conhecimentos e destrezas de números e operações.

Para finalizar, acreditamos que este artigo se mostrou importante para a prática dos professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois eles podem trabalhar a estimativa de diversas maneiras, seja por meio de jogos e materiais lúdicos ou por meio de situações problemas e contribuir para o desenvolvimento do sentido de número dos estudantes.

Assim, consideramos que a estimativa não é mais um conteúdo da Matemática a ser trabalhado “a parte”, mas um conhecimento e destreza de Matemática, relacionado ao sentido de número, que pode, e deve, ser trabalhada juntamente com outros campos, como Números e Operações, Grandezas e Medidas, Geometria e Estatística. Não podemos privar os alunos de ganharem experiência, ensinando somente métodos que os levam somente a respostas exatas.

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Notas

[4] O PNAIC é um programa criado pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e Municípios que desde 2012, tem o compromisso de garantir a obrigatoriedade da alfabetização de crianças com até oito anos de idade, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática.

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