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A formação inicial de professores que ensinam matemática: desafios e possibilidades pelo caminho da extensão universitária
The initial training of teachers who teach mathematics: challenges and possibilities through university extension
La formación inicial de los profesores que enseñan matemáticas: retos y posibilidades a través de la extensión universitária
Revista de Educação Matemática, vol. 19, e022010, 2022
Sociedade Brasileira de Educação Matemática

Artigos

Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, e022010, 2022

Recepção: 14 Dezembro 2021

Aprovação: 14 Fevereiro 2022

Publicado: 08 Março 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo tem como objetivo apontar as potencialidades da extensão universitária na formação inicial dos professores de Matemática. A partir de uma pesquisa bibliográfica, realizada no Banco de teses e Dissertações da CAPES e de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), realizada nos artigos e nos anais de eventos científicos, serão apontados os desafios e as possibilidades da extensão universitária neste campo formativo. A combinação de elementos das abordagens de pesquisa quantitativa e qualitativa teve como objetivo caracterizar, de forma abrangente e criteriosa, os dados oriundos de diferentes bases de divulgação científica. A abordagem qualitativa, teve o aporte da análise de conteúdo sendo apresentada uma descrição analítica dos conteúdos encontrados nos artefatos de divulgação científica. Os resultados denotam limites e potencialidades para a formação inicial de professores que ensinam matemática. Dos limites, a utilização das ações de extensão universitária distanciada das demandas apresentadas pelo chão da escola e a realização dessas ações de forma eventual o que limita a ação enquanto prática educativa e indissociável. Das potencialidades, a ideia de que a ação de extensão universitária pode se configurar como uma alternativa para o desenvolvimento de uma formação crítica dos professores de matemática se constituindo como um campo de resistência às políticas semiformativasque homogenizam e determinam padrões pragmáticos à formação de professores.

Palavras-chave: Extensão universitária, Formação de professores de Matemática, Indissociabilidade.

Abstract: This article aims to point out the potentialities of university extension in the initial training of mathematics teachers. From bibliographical research, carried out in the CAPES Theses and Dissertations Bank and a Systematic Literature Review (SLR), carried out in articles and in the annals of scientific events, the challenges and possibilities of university extension in this formative field will be pointed out. The combination of elements from the quantitative and qualitative research approaches aimed to characterize, in a comprehensive and careful way, the data from different scientific dissemination bases. The qualitative approach had the support of content analysis being presented an analytical description of the content found in the artifacts of scientific dissemination. The results show limits and potentialities for the initial training of teachers who teach mathematics. The limits, the use of university extension actions far from the demands presented by the school ground and the realization of these actions in a casual way and without constituting an educational and inseparable practice. Of the potentialities, the idea that the university extension action can be configured as a stage for the development of a critical training of mathematics teachers, constituting a field of resistance to semi-formative policies that homogenize and determine pragmatic standards for teacher training.

Keywords: University extension, Mathematics teacher education, Inseparability.

Resumen: Este artículo pretende señalar las potencialidades de la extensión universitaria en la formación inicial de los profesores de matemáticas. A partir de una investigación bibliográfica, realizada en el Banco de Tesis y Disertaciones de la CAPES y de una Revisión Sistemática de la Literatura (RSL), realizada en artículos y en los anales de eventos científicos, se señalarán los desafíos y posibilidades de la extensión universitaria en este campo formativo. La combinación de elementos de los enfoques de investigación cuantitativos y cualitativos tenía como objetivo caracterizar, de forma exhaustiva y cuidadosa, los datos de las diferentes bases de la divulgación científica. El enfoque cualitativo, tuvo la contribución del análisis de contenido siendo presentado una descripción analítica de los contenidos encontrados en los artefactos de divulgación científica. Los resultados denotan límites y potencialidades para la formación inicial de los profesores que enseñan matemáticas. Los límites, el uso de acciones de extensión universitaria distanciadas de las demandas que presenta el terreno escolar y la realización de estas acciones de forma casual y sin constituir como una práctica educativa e inseparable. Las potencialidades, la idea de que la acción de extensión universitaria puede configurarse como un escenario para el desarrollo de una formación crítica de los profesores de matemáticas constituyendo un campo de resistencia a las políticas semiformales que homogeneizan y determinan normas pragmáticas a la formación de profesores.

Palabras clave: Extensión universitaria, Formación de profesores de matemáticas, Inseparabilidad.

INTRODUÇÃO

Este artigo surge de uma confluência de fatores. O primeiro, relacionado à atuação profissional no ensino superior e na educação básica, situação que conduz à necessidade de adequação à política de educação, à BNCC e à BNC-Formação. O segundo, pela compreensão de que é possível pela extensão universitária colocar em prática uma formação que esteja além dos princípios semiformativos[1] de uma política de educação que instrumentaliza, tem fins homogeneizantes e eminentemente mercadológicos.

Reforçar a ideia de que a extensão universitária pode se constituir como um organismo legítimo que está para além do acompanhamento e implementação de políticas públicas é reafirmar o conceito de extensão enquanto “processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico, político e cultural que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade” (FROPROEX, 2012, p.42).

Cabe destacar que a Indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão, enquanto princípio constitucional e extensionista, possibilita que as questões referentes à formação dos estudantes sejam refletidas a partir de uma “construção dos conhecimentos voltados para o desenvolvimento social, equitativo e sustentável” (BRASIL, 2018 p. 02). Esse entendimento, presente na Resolução 07/2018 CNE/CP, sinaliza um ponto de inflexão pela qual as ações de extensão podem ser pensadas para ir de encontro à ideologia objetivista e instrumental da BNC-Formação.

No Artigo 6º, alínea V, da Política de Formação de professores, que trata dos fundamentos, temos: “a articulação entre a teoria e a prática para a formação docente, fundada nos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, visando à garantia do desenvolvimento dos estudantes” (BRASIL, 2019, p.03). Nesse formato, o princípio constitucional da indissociabilidade está situado entre uma referência sobre a ideia de “articulação entre teoria e prática” seguido da expressão “fundada nos conhecimentos científicos e didáticos” (BRASIL, 2019, p.03).

Pode ser pensado que o princípio constitucional da indissociabilidade está sendo contemplado. Decorre que os discursos incorporam significados para além do que revela as palavras escritas. “Os discursos sustentam ou privilegiam certas relações e tipos de interação, certas formas e práticas organizacionais... e ao mesmo tempo, excluem outras” (BALL, 2011, p. 176).

Nesse instrumento são apontadas as dimensões da formação docente: o “conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional” (BRASIL, 2019, p. 02). Para Lima e Sena (2020), essa forma de propor dimensões técnicas e pragmáticas para o currículo de formação de professores “podem ser consideradas como implementação de um aprender a aprender para a satisfação da lógica de um mercado em decomposição” (LIMA; SENA, 2020, p.34).

As considerações acima servem para justificar a ideia assumida neste artigo de que os princípios semiformativos presentes na política de formação de professores podem ser enfrentados pela assumência da extensão enquanto princípio educativo que contribui “na formação integral dos estudantes, estimulando sua formação como cidadão crítico e responsável” (BRASIL, 2018, p. 02).É necessário trazer essa discussão para o campo da formação e da ação dos professores de matemática uma vez que é preciso ultrapassar a tendência pragmática da “ideologia da certeza” (SKOVSMOSE, 2011) que contribui para o controle político e para a inserção dos mecanismos e conceitos de ‘mercado”.

A formação inicial e continuada dos professores é um desafio diante do modelo educacional que tem a orientação para “aprendizagens essenciais” e estabelece um padrão de competências estruturais e pragmáticas para os professores. Dizemos que é um modelo semiformativo porque passa ao largo de uma concepção formativa que seja crítica e emancipatória.

Nos termos da Resolução CNE/CP 2/2019, há o princípio de “articulação entre formação inicial e formação continuada” (BRASIL, 2019). Cabe considerar as “novas subjetividades” (BALL, 2011) que estão sendo implementadas através de um discurso de que o professor tem a responsabilidade quanto ao seu próprio desenvolvimento profissional. Ou seja, ao mesmo tempo em que há uma “transformação de professores em apêndices retirando-lhes sua autonomia didático-pedagógica e político-intelectual” (LIMA; SENA, 2020, p. 21-22), ele precisa demonstrar um “engajamento profissional” que possivelmente (pode) não é (ser) um engajamento crítico. A pergunta que surge é: como filtrar e reorientar essa política diante dos desafios do nosso local de ação e existência?

Assumir o encontro da universidade com o chão da escola pela extensão pode se configurar como um campo de resistência, desde que no espaço de formação de professores sejam assumidos o princípio constitucional e extensionista da indissociabilidade numa dimensão formativa crítica, problematizadora e emancipatória.

Para apontar possibilidades e caminhos, faz-se necessário buscar respostas para as seguintes questões: em que medida acontece o encontro da extensão com a escola pública e com a formação do estudante da licenciatura em Matemática. Qual(is) o(s) desafio(s) e os caminhos que tornam possível uma formação que transponha esse modelo semiformativo?

Com essa intenção, foram realizadas buscas no catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e nos artigos de divulgação científica. A opção pela busca, nestes artefatos, corrobora com a ideia de que estas formas tangíveis se constituem como um “enorme sistema de difusão do conhecimento” (WOJICKV et al., 2016) e constituem lócus de excelência para buscar caminhos geradores de novos conhecimentos.

Nessa perspectiva, as sessões que compõem este artigo apresentam conceitos sobre o objeto, extensão universitária; sobre a indissociabilidade, enquanto princípio constitucional e, enquanto uma, dentre as cinco diretrizes que possibilitam que as ações de extensão tenham o princípio educativo e formativo; e sobre a interdisciplinaridade como uma atitude pedagógica que possibilita a ampliação do universo de referência do estudante, em sua prática de aprendizagem, e do professor, na sua prática de ensino. Os conceitos apresentados trazem reflexões teóricas amparadas em Paulo Freire para sustentar a perspectiva formativa da extensão universitária. E, para construir um entrelace desse ideal com a formação do professor de matemática, são trazidas as reflexões de D’Ambrosio (1994) e Skovsmose (2001).

Na sessão referente à metodologia, apresentamos a Revisão Sistemática de Literatura (RSL), descrevendo as questões que nortearam a busca no catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e nos artigos de divulgação científica.

Os resultados são apresentados quantitativamente, com uma análise descritiva dos dados, e uma análise qualitativa, com um recorte dos achados, colocando em evidência as categorias do encontro, da colaboração e da formação. Nas considerações finais, o conceito de extensão é apresentado a partir da complexidade existente na ação e na forma como o conhecimento é produzido e apresentado nos artefatos de divulgação científica. Por fim, a ideia de um encontro colaborativo e formativo como um desafio e uma possibilidade para a formação inicial de professores que ensinam matemática, pelo caminho da extensão universitária como sendo um espaço crítico e de resistência.

REVISÃO DE LITERATURA

Os subtópicos trazem o conceito de extensão a partir do que está definido no Plano Nacional de Extensão, sendo colocado em diálogo com a epistemologia crítico-construtivista de Paulo Freire e com as reflexões sobre a Matemática Crítica de Ole Skosvsmose. Com Luiz Síveres, a dimensão do diálogo, enquanto potencializadora de encontro com a comunidade. À luz desses teóricos será colocada em evidência os conceitos presentes no conhecimento produzido pelos autores Anjos (2014), Jezine (2009) e Gatti (2019). O princípio constitucional da indissociabilidade é discutido em sua dimensão constitucional e extensionista presente nos documentos institucionalizados e pela dimensão filosófica e metodológica apresentada por Gonçalves & Quimelli (2016).

Extensão Universitária: entre conceitos a possibilidade de um encontro formativo

No conceito de Extensão Universitária consta o princípio constitucional da indissociabilidade como eixo que sustenta a concepção formativa e interdisciplinar. Na conceituação do Fórum de Pró-Reitorias de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX): “A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade.” (FORPROEX, 2012).

Em seu escopo, “o processo educativo, cultural, científico e político” pressupõe fazer um extensionista mediador da relação da universidade com os setores sociais numa dimensão formativa, problematizadora e crítica. Esse conceito, compreendido em toda sua complexidade, pode ser visto de uma forma reduzida e limitada, dependendo do modelo teórico que ampara a ótica daqueles que desenvolvem ações extensionistas.

Se as ações forem pautadas em um modelo racionalista-pragmático, terão um viés de descrição da realidade em detrimento da interpretação e transformação dessa realidade. Pode ser assinalado que processos formativos que estão configurados numa perspectiva técnica e pragmática estão comprometidos com um ideário organizacional e mercadológico, e não com um ideário social e reflexivo.

A defesa de ações de extensão que rompa com o modelo estruturalista tem o axioma da educação crítica, defendida pela ideia de Skovsmose (2001) de que é necessário ter uma atitude crítica diante de sistemas de crenças que utilizam “a linguagem da matemática” para interpretar e agir sobre um número crescente de questões.

A epistemologia crítica-construtivista, pautada por Freire (2017), permite pensar numa formação que seja o contraponto à razão instrumentalizada e homogeneizante imposta pelo imperativo da eficiência e adaptação às demandas mercadológicas.

A experiência do diálogo e da intercomunicação, proposta pelo autor, está na base da transformação da realidade e, consequentemente, deve sustentar as ações de extensão. O diálogo como encontro e como “problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la e transformá-la” (FREIRE, 2017, p. 65). Uma dimensão do diálogo como gerador de reflexão e autonomia. É neste sentido que se defende a Extensão como comunicação e intercomunicação.

Esse autor assinala o equívoco que há em pensar a extensão apenas como uma comunicação de um sujeito a outro e acrescenta que: “a relação dialógica indispensável ao ato de conhecer e transformar ocorre na comunicação e intercomunicação dos sujeitos pensantes a propósito do pensado, e nunca através da extensão do pensado de um sujeito até o outro” (FREIRE, 2017, p. 88).

Síveres (2015) amplia a perspectiva do diálogo, trazendo como pressupostos essenciais o encontro e a relação. Para ele, o diálogo, como justaposição de dois seres, precisa “transcender a relação Eu-tu e estabelecer uma relação no campo do entre, contribuindo para formar homens e comunidades autênticas” (SÍVERES, 2015, p. 44). Neste sentido, amplia a possibilidade do encontro a partir da relação que é estabelecida entre aqueles que estão envolvidos numa dinâmica e conduz a um horizonte mais amplo, a relação pautada pelo diálogo com a comunidade.

Freire (2010) atribui ao diálogo a potencialidade formativa e relacional. Coloca que na interação e na relação construída com os alunos é possível uma práxis que articula reflexão e ação. Para esse autor, o mundo humano é um mundo de interação e de relações. Afirma que: “O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto [....]. Esta coparticipação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação” (FREIRE, 2010, p. 85). Com o princípio de dialogicidade e coparticipação, o autor rompe com o sentido estático de comunicação e retira a ideia de comunicado de um sujeito a outro. Para Freire, o dinamismo do ato de comunicar está no ato do diálogo, um “comunicar comunicando-se” (FREIRE, 2010, p. 87) numa relação dialógica-comunicativa.

Neste sentido, o propósito de assumir o encontro da universidade com o chão da escola pela extensão como um campo de resistência é perpassado pela dimensão crítica que, potencialmente, pode ocorrer a partir de um encontro-dialógico-colaborativo entre os processos formativos – formação inicial e continuada – e entre os atores desses dois palcos.

Uma posição que busca desconstruir a ideia de que a escola é campo de “invasão” onde as ações de extensão tem somente o propósito de propagação de ideias. Essa forma tem um viés da “invasão cultural”, sendo não relacional por não considerar como espaço de múltiplas realidades em que é possível interagir e construir coletivamente uma forma mais humana e ética de ser e estar no mundo.

Uma ação de extensão que esteja pautada em um modelo de invasão ou transmissão está centrada na ideia de penetrar no espaço histórico-cultural do outro, sobrepondo sobre eles suas ideias e sistemas de valores. Um sentido que não só opõe sujeito e objeto do conhecimento, como também pressupõe conquista, superioridade e manipulação.

Há uma variação polissêmica nas formas de fazer e compreender a extensão. Essa variação é fruto da historicidade que a envolve e dos diferentes matizes ideológicos que a constituem. Na década de 90, os estudos realizados por Melo Neto (2002) apresentavam conceitualizações em que associava a extensão a trabalho social, onde o encontro com comunidades possibilita uma construção de conhecimento tecnológico, e esse abria caminhos à transformação dos sujeitos e à consequente melhoria da vida da população. Rodrigues (2005) aponta a extensão na perspectiva de uma práxis que possibilita reflexão e ação e, consequentemente mudança social.

Desde o início do século XXI, os trabalhos apontam ações que ampliam a extensão como uma função formativa voltada à transformação da realidade. Como sugere Anjos (2014), é preciso compreender e ultrapassar as fronteiras que existem na construção e socialização do conhecimento científico e tecnológico. Para Jezine (2009) é necessária uma extensão que tenha a realidade social como foco, e que por isso esteja mais próxima do ensino e da pesquisa. Gatti (2019) alerta sobre a necessidade de transpor o caráter semiformativo com que são pautadas algumas ações de extensão. O termo utilizado é concebido pelo autor como “uma formação voltada predominantemente à instrumentalização técnica dos profissionais” (p.204)

INDISSOCIABILIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

O princípio constitucional da Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão foi consolidado no Brasil a partir de 1988, com a abertura democrática e com as novas demandas apresentadas à Universidade pelo movimento discente. Este foi estabelecido, para as instituições de ensino superior pública, no Artigo 207 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL,1988).

A indissociabilidade além de ser um princípio constitucional é reiterado pelo Fórum de Pró-reitores de Extensão das Instituições de Ensino Superior (FORPROEX) como um dos cinco princípios das diretrizes da Extensão universitária – Interação dialógica, Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade, Indissociabilidade e Impacto na formação do estudante, e Impacto e transformação social.

Gonçalves e Quimelli (2016) sugerem que é necessário compreender a Indissociabilidade como princípio constitucional e como princípio extensionista, ou seja, “A Extensão o exige para suas atividades” (GONÇALVES; QUIMELLI, 2016, p. 53). Em outro estudo, Gonçalves (2015) aponta o princípio da Indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão como uma proposição filosófica, pedagógica e metodológica para a formação e para o conhecimento desenvolvido na e pela Universidade.

Compreender a indissociabilidade entre as funções e a indissociabilidade como diretriz da extensão é um desafio de ordem institucional e acadêmica, considerando que os modelos que ampara a ideia de universidade conceberam estas funções distanciadas e deram significativa relevância ao ensino e à pesquisa, e à extensão foi conferido como a única via de aproximação com a realidade social.

Há um viés desenvolvimentista que sustenta o discurso da supremacia da pesquisa sobre as demais funções, mas há que se pensar que existem mudanças nas demandas acadêmicas, institucionais e na sociedade. Talvez, o caminho para dar conta dessas mudanças seja dar centralidade, na formação dos professores, à extensão universitária, porque esta, além de ser uma forma de retroalimentação das demais funções, se constitui como um caminho para que na formação inicial seja possível ir além dos limites do estruturalismo e do pragmatismo para uma formação que contemple “um programa dinâmico apresentando a ciência de hoje relacionada a problemas de hoje e ao interesse dos alunos” (D’AMBROSIO, 2012, p. 30).

METODOLOGIA

A ideia de pensar as potencialidades da extensão universitária na formação inicial dos professores de Matemática conduziu à Revisão Sistemática de Literatura (RSL) quanto ao tema do encontro da universidade com a escola pública pela extensão universitária. Para isso, foram definidas as seguintes questões: em que medida acontece o encontro desta função com a escola pública e com a formação do estudante da licenciatura em Matemática? Qual(is) o(s) desafio(s) e os caminhos que tornam possíveis uma formação pautada no diálogo e na colaboração, pela via da extensão universitária?

Para encontrar respostas foram realizadas buscas no catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e nos artigos de divulgação científica. A opção pela busca nestes artefatos corrobora com a ideia de que estas formas tangíveis se constituem como um “enorme sistema de difusão do conhecimento” (WOJICKV et al., 2016) e constituem lócus de excelência para buscar caminhos geradores de novos conhecimentos.

A opção de combinar elementos das abordagens de pesquisa quantitativa e qualitativa tem o propósito de ampliar e aprofundar o conhecimento revelado na produção científica estudada. A Revisão Sistemática da literatura (RS), possibilita um olhar para os dados de forma abrangente e criteriosa, e conduz à definição de caminhos para estudos futuros, considerando que amplia as possibilidades de análise e síntese.

A abordagem qualitativa está amparada na Análise de Conteúdo (AC) proposta por Bardin (2016), onde a busca pelas significações que estão expressas nas palavras utilizadas revela as “realidades que estão expressas nas mensagens” (BARDIN, 2016, p. 45). Utilizando técnicas de análise em que foram utilizados procedimentos sistemáticos e objetivos é possível uma descrição analítica dos conteúdos, encontrados nos artefatos de divulgação científica, que podem revelar a natureza formativa, sociológica e metodológica do objeto estudado.

A utilização da RSL, associado a análise de conteúdo, deve ser entendida como uma estratégia que possibilita rigor e significação que vai além dos dados estatísticos. Para Denzin e Lincoln (2007), a RSL é uma técnica que sistematiza e oferece, além do rigor, riqueza de elementos à análise. Para além disto, os autores Garcia e colaboradores (2019) apontam a RSL como um sistema que potencialmente representa a construção do conhecimento. Nascimento et al. (2019) apontam as interações semânticas que possibilitam o encontro com questões emergentes, e Kitchen (2004) aponta o objetivo de poder realizar uma avaliação criteriosa amparada por uma metodologia rigorosa que permita uma modelagem do conhecimento.

Para nortear a RSL, foram utilizados os passos defendidos por Sampaio e Mancini (2017), conforme apresentado no desenho metodológico abaixo:


Figura 1
Desenho metodológico da Revisão Sistemática da Literatura (RSL)
Adaptado de Sampaio e Mancini ,2017

A possibilidade de usar na prática de AC uma ferramenta computacional que oferecesse condições de seleção, armazenamento, flexibilidade (quanto a possibilidade de redefinição de questões e hipóteses) e rigor quanto à seleção, conduziu a optar pela ferramenta computacional State of the Art through Systematic Review (StArt), Zamboni (2010). Nessa, as etapas de planejamento, seleção e sumarização foram operacionalizadas a partir das seguintes questões: Como ocorre o encontro entre universidade e educação básica através das ações de extensão? Como, na produção científica, as diretrizes de indissociabilidade, Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade são correlacionadas com as ações de extensão realizadas no chão da escola pública?

Para chegar à etapa final, que no Software StArt é denominado de sumarização, e na AC pode ser compreendida como interpretação, os artigos foram lidos e analisados a partir das dimensões metodológicas e analíticas sugeridas por Cristofolleti e Serafim (2020), em que o olhar para a dimensão metodológica foi direcionado ao encontro com a escola: quem faz a ação e a quem se destina? Como ocorre a interação entre os grupos, as funções e as disciplinas? Da dimensão analítica: qual conhecimento foi potencializado na ação: teórico, prático, humanista?

Para a análise, quanto ao encontro e a colaboração, foram utilizadas contribuições de Siveres (2015), Peter Koop & Santos Wagner (2003) e Santana (2015). Sobre a formação, o olhar foi direcionado às possibilidades de uma formação crítica-emancipatória, amparada em Skovsmose (2001), e D’Ambrósio (2012), quanto ao dinamismo de um programa de formação que relaciona a dinâmica da ciência com o interesse dos alunos. Para apresentar as especificidades do conteúdo encontrado nos artefatos foram utilizados os seguintes procedimentos: a descrição, enumerando as características do conteúdo encontrado; a inferência, seguida da interpretação, em que foram admitidas respostas às questões elencadas não somente pela ótica da superfície do texto escrito e, sim, realçando os sentidos de natureza educativa e sociológica.

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados em duas seções. Na primeira, os dados quantitativos, com uma análise descritiva. Na segunda, será apresentada uma análise qualitativa com um recorte dos achados, colocando em evidência os sentidos: do encontro, da colaboração e da formação.

Entre dados: Contextos e lugares ocupados

Para ter uma abrangência do conhecimento produzido . difundido serão apresentados os dados encontrados no catálogo de Teses e Dissertações CAPES, tendo o recorte temporal de 2010-2020, e, em seguida, os dados encontrados nas bases de divulgação científica do portal de periódicos CAPES[2], Scielo e Scopus.

Para identificar a produção do conhecimento sobre o objeto foi utilizado, inicialmente o termo Extensão universitário e, em seguida os termos: “extensão universitária e escola pública”; “extensão universitária e formação de professores de matemática”. Para identificar a difusão do conhecimento foi utilizado o mesmo descritor, sendo que para a seleção foram utilizados os critérios de inclusão: aproximação com a temática de formação de professores de ciências e matemática e a presença das diretrizes interdisciplinaridade e interprofissionalidade e formação do estudante, constituíram a base de busca. Para dar significação aos dados encontrados, o olhar para a formação foi direcionado às questões humanistas dessa formação. Essas, a partir das dimensões :social, cultural, éticas e ambientais e do desenvolvimento de posturas emancipatórias, de participação e autonomia.

Sentidos: do encontro, da colaboração e da formação

Os achados sobre o objeto extensão universitária mostram uma significativa produção científica quando o descritor Extensão universitária é correlacionado com a área de educação, e um significativo distanciamento de produções científicas que correlacionam a Extensão universitária às áreas de ensino de ciências e matemática e à área interdisciplinar. Estabelecendo um comparativo entre as áreas, temos: 74% concentrado na área de educação; 19,7% na área de ensino de ciências e matemática, e somente 6,1% na área interdisciplinar. Correlacionando o descritor Extensão universitária e escola pública com as mesmas áreas, os dados revelam que quanto à área de conhecimento Educação, há uma concentração de 77,3%, tanto com o descritor escola pública quanto o descritor formação de professores de matemática. Quando delimitada a área de conhecimento de Ensino de Ciências e Matemática, o índice de aproximação é de 15,2%, e na área Interdisciplinar o percentual encontrado é de 7,4%. O distanciamento entre o descritor da área de Educação e da área Interdisciplinar conduziu a buscar por áreas de concentração de natureza interdisciplinar que estivessem próximas da escola pública e de temas relacionados à formação de professores. Os dados são apresentados na Tabela 02:

Tabela 2
Relação entre termos de busca e área de concentração

elaboração própria, 2021

Estabelecendo uma comparação entre as áreas de concentração, os dados revelam que 93,6% estão situados na área de Educação. O conhecimento produzido que vincula extensão com a escola pública e a área de concentração em educação científica e Educação em Ciências e Matemática apresenta um dado muito reduzido quando comparado à área de Educação. Isso aponta não só para disposições acadêmicas, mas para dois desafios. O primeiro, é o de consolidar e ampliar o conceito de extensão universitária enquanto processo educativo, científico e político e, ainda, intensificar a interação entre Educação em Ciências e Matemática enquanto áreas do conhecimento que “apontam possibilidades de novos padrões de organização nos assuntos sociais e técnicos”, como defende Skovsmose (2001) ao refletir sobre uma Educação Crítica.

O segundo desafio é estrutural, e está relacionado à formação inicial, mas atinge, também, a pós-graduação. Nos documentos norteadores das políticas educacionais há uma linguagem orientadora que aponta para competências e habilidades, voltadas especificamente para o campo profissional, tendo como dimensões: a do conhecimento, a da prática e a do engajamento (BRASIL, 2019). A dimensão social, na Resolução CNE/CP 02/2019, está reduzida a apenas 1, dentre os 10 princípios norteadores que regulamentam a organização curricular, o que só reforça o distanciamento, na formação inicial, de questões que interrelacionam assuntos científicos aos assuntos sociais que, normalmente, são assuntos que compõem as ações de extensão. Da pós-graduação, os dados reforçam o distanciamento que há entre educação, ciência, tecnologia e sociedade.

Para saber sobre a difusão dos conhecimentos produzidos foram utilizados os mesmos descritores na busca por artigos científicos nas bases: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Scopus e no portal de periódicos da CAPES. Nesses, foram encontradas 108 (cento e oito) publicações das quais foram pré-selecionados 72 (setenta e dois) artigos que passaram por um processo de seleção que corresponde à análise de conteúdo proposta por Bardin (2016), à escolha de documentos aplicando a regra de representatividade e pertinência. Desses, 40 (quarenta) foram rejeitados, por não haver uma referência clara sobre o encontro com a escola pública e diretrizes da extensão, e por não ser possível a exportação. Do restante, 4 artigos foram duplicados e 28 (vinte e oito) foram aceitos.

Os artigos da categoria aceitos passaram pelos seguintes critérios de análise para inclusão: o de aproximação com a escola pública; o de referência a uma das diretrizes da extensão universitária: interdisciplinaridade, indissociabilidade e formação do estudante. Em seguida, foram categorizados em prioridade muito alta ou prioridade alta. Essas categorias foram utilizadas nos artigos considerados como relevantes e significativos para as dimensões do encontro, formação e colaboração.

Para uma descrição, a partir das características encontradas, foram ampliadas as dimensões analíticas sugeridas por Cristofolleti e Serafim (2020), sendo definidos indicativos para determinar o tipo de encontro, de colaboração e de formação.

Para a dimensão analítica do encontro foram assumidas duas dimensões metodológicas elaboradas por Cristofolleti e Serafim (2020), definidas pelas questões: quem faz? E a quem se destina? Estas, foram analisadas pela perspectiva do modelo em que foi pautado o encontro. Se um encontro hierárquico-verticalizado, que corresponde a uma ação que surge da universidade para a escola; se um encontro hierárquico-horizontalizado, em que a ação surge em uma relação de diálogo com os atores pedagógicos da escola. Para caracterizar essa análise foram utilizados três níveis de incorporação, assim estruturados: Existente e Forte (EF); Existente e Moderado (EM); Não Existente (NE).

Para a dimensão analítica da colaboração foi assumida a compreensão do termo a partir das contribuições de Peter Koop (2003) quanto à interação entre diferentes sujeitos e o compartilhar de liderança e gestão sobre as decisões. Para encontrar o indicativo dessa colaboração, o olhar para o texto ficou concentrado na metodologia, nos objetivos e na descrição da ação de extensão desenvolvida. Para isso, foram utilizados os termos: Colaboração Moderada (CM); Colaboração Significativa (CSi); Colaboração Inexistente (CI).

Para a dimensão Formação foram utilizadas as características de construção do conhecimento definidas por Cristofolleti e Serafim (2020): acadêmico e técnico, que foram consideradas na perspectiva teórica-prática. Considerando a compreensão desta pesquisadora quanto a defesa de que as ações de extensão precisam ter uma caracterização formativa para além do caráter difusionista, é que foi acrescentada a dimensão de humanização, no sentido defendido por Freire (2019), de transformação da realidade, e D’Ambrósio (2012), quanto a existência de uma fundamentação cultural para o desenvolvimento da ação pedagógica proposta. Neste sentido, os níveis de incorporação foram: Formação Incipiente (FI); Formação Moderada (FM); Formação Significativa (FSi).

Tabela 3
Incorporação das dimensões que fundamentam a análise dos artefatos de divulgação científica

Elaboração própria, 2021

As dimensões definidas para análise: encontro, colaboração e formação, deram forma ao cenário da extensão universitária no encontro com a escola pública e com a formação de professores de Matemática. A partir de questões norteadoras, os artefatos de divulgação científica forneceram subsídios para responder às questões apresentadas: em que medida acontece o encontro desta função com a escola pública e com a formação do estudante. Qual a perspectiva de colaboração que existe nas ações realizadas?

Um olhar geral sobre os dados conduz à interpretação de que o encontro ocorre numa dimensão de verticalidade, da universidade para a escola. Se analisarmos do ponto de vista da excelência científica, da universidade como lócus da produção do conhecimento, este fato é relevante e significativo porque confere legitimidade à ação desenvolvida. Decorre que a lógica disciplinar e o distanciamento com o cotidiano da escola conduzem a um processo em que somente o docente da universidade, o pesquisador, define os temas científicos a serem difundidos, os problemas a resolver, as metodologias a serem trabalhadas e o ritmo e tempo de ação a ser desenvolvida. Essa lógica limita a potencialidade da ação de extensão para a ampliação do universo de referência dos alunos que estão em formação, o que resulta em um reforço quanto ao distanciamento que se tem em relação ao ensino de matemática das questões sociais.

Por outro lado, as ações que ocorreram e apresentaram a dimensão do encontro na perspectiva da horizontalidade, embora em menor quantidade, trazem princípios organizadores às dimensões definidas para análise: encontro, colaboração e formação, deram forma ao cenário da extensão universitária no encontro com a escola pública e com a formação de professores de Matemática. A partir de questões norteadoras, os artefatos de divulgação científica forneceram subsídios para responder às questões apresentadas: em que medida acontece o encontro desta função com a escola pública e com a formação do estudante. Qual a perspectiva de colaboração que existe nas ações realizadas?

Um olhar geral sobre os dados conduz a interpretação de que o encontro ocorre numa dimensão de verticalidade, da universidade para a escola. Se analisarmos do ponto de vista da excelência científica, da universidade como lócus da produção do conhecimento, este fato é relevante e significativo porque confere legitimidade à ação desenvolvida. Decorre que a lógica disciplinar e o distanciamento com o cotidiano da escola conduzem a um processo em que somente o docente da universidade, o pesquisador, define os temas científicos a serem difundidos, os problemas a resolver, as metodologias a serem trabalhadas e o ritmo e tempo de ação a ser desenvolvida. Essa lógica limita a potencialidade da ação de extensão para a ampliação do universo de referência dos alunos que estão em formação, o que resulta em um reforço quanto ao distanciamento que se tem em relação ao ensino de matemática das questões sociais.

Por outro lado, as ações que ocorreram e apresentaram a dimensão do encontro na perspectiva da horizontalidade, embora em menor quantidade, trazem princípios organizadores que tem a interação entre interesses científicos e sociais e o diálogo que abre espaço para a coparticipação. Nessas ações, a dimensão da colaboração contribui para que a ideia de extensão como ação que “é estendida à escola”, seja substituída por uma relação em que interagem pessoas que têm interesses comuns sendo de fundamental importância, uma vez que a aproximação entre o mundo acadêmico e o mundo da escola contribui significativamente para “relegitimar socialmente a universidade.” (SANTOS, 2011, p. 81). Em outras palavras, as dimensões deste encontro-horizontalizado e da colaboração potencializam o compromisso da universidade com a escola pública e favorecem uma integração efetiva entre a formação inicial e a prática de ensino, e entre a formação continuada e o desenvolvimento profissional.

A ideia de atrelar à dimensão da formação as categorias teórico-prático-humanista é consoante com o princípio defendido por D’Ambrosio (2013), de que as dimensões múltiplas de uma formação humanista devem ser “os objetivos primeiros de qualquer ação educacional” (p. 68) e de Freire (2013), quanto a uma formação humanizadora para a transformação das realidades. De posse desses sentidos, compreendo que os artefatos que revelaram uma Formação Significativa (FSi) atendem aos princípios sinalizados e, ainda, consolidam a extensão universitária enquanto práxis.

Sobre a dimensão do encontro, os autores que apresentaram reflexões consideradas significativas e sólidas, por apresentar caminhos e reflexões sobre a necessidade de integração dos sistemas de educação, foram, Javaroni, Liberatti e Zampieri(2015).Esses evidenciam que, para além da necessidade de uma integração dos sistemas de educação, é necessária uma reconstrução conceitual da ideia de indissociabilidade e, para isso, sugere uma integração interna da instituição, da universidade. Nessa perspectiva, a ação desenvolvida envolveu projetos de mestrado, de doutorado e de iniciação científica, revelando uma articulação entre pós-graduação, licenciatura e as escolas. Quanto à perspectiva de colaboração, os autores apontam que desde o planejamento à realização da ação de extensão, a palavra ‘colaborar’ norteou o encontro dos grupos, e os objetivos individuais e coletivos, o que resultou em um processo de formação continuada em que os professores se constituíram como sujeitos de sua própria formação.

Oliveira e Savana (2018) estabelecem um encontro com a escola pública a partir do reconhecimento dos professores da escola como protagonistas, e não meros receptores de fórmulas prontas. Trazem o encontrodos alunos dos cursos de saúde com os alunos da escola pública, modalidade ensino médio, como uma possibilidade de mão dupla. Para os discentes da universidade a possibilidade de promover ações interdisciplinares e de relevância social e, para os alunos da escola pública, a possibilidade de encontro com os cursos da área de saúde pode ajudar na escolha profissional, o que possivelmente pode contribuir para diminuir o quadro de evasão desses cursos. Da categoria Formação, os autores citados acima trazem as diretrizes da Interdisciplinaridade, Interprofissionalidade e formação do estudante. Estas são reveladas não só pelo envolvimento de várias disciplinas nas ações desenvolvidas, mas, pelas atitudes de ver, a partir destas, uma espiral em que essas ações dinamizam o ensino, potencializam a integração de variadas pesquisas e, ainda, propõem uma interação propositiva entre as funções da universidade.

As duas categorias, encontro e formação, compõem o artigo de Rios e colaboradores (2020). No título dos artigos os autores apontam duas das diretrizes da extensão universitária: a interprofissionalidade e a interdisciplinaridade. A partir da apresentação dos conceitos, discutem essas diretrizes defendendo a ideia de que não é possível concretizar uma visão ampla da saúde nos moldes do conhecimento disciplinar e uniprofissional. Situam a diretriz da ampliação do universo de referência do estudante a partir da pesquisa realizada com dois discentes que participaram de uma ação de extensão em uma região da Bahia. Sinaliza que a participação dos estudantes em ações de extensão tem o “potencial de transformar o processo formativo dos sujeitos envolvidos, seja em seus aspectos profissionais ou pessoais” (RIOS et al., 2019). Concluem que além de transformação pessoal, as ações extensionistas possibilitam ampliação de espaços formativos e o desenvolvimento de interações entre uma diversidade de saberes.

Os autores Oliveira e Melo (2018) articulam ações de extensão com as políticas públicas. No caso, a política pública de ampliação da jornada escolar. Os autores apresentam evidências quanto às relações interinstitucionais construídas. Discutem a diretriz da interação dialógica a partir da construção de Freire (2017), como comunicação que transforma e interage e a coloca como princípio de transformação radical da realidade. Resgatam o papel das universidades quanto ao potencial de formação, produção do conhecimento e responsabilidade social de suas ações. Neste sentido apresenta o projeto de extensão que vinculado ao Programa “UFMG integrada à educação básica”, ampliou as possibilidades de ação, quanto a dimensão temporal e quanto a dimensão operacional e conceitual. Sobre a ampliação do universo de referência dos estudantes envolvidos na ação, trazem um alerta quanto ao fato de que gestores de órgãos institucionais e professores da escola devem considerar o monitor de extensão como um sujeito que está vivenciando um processo formativo. E, também apontam as contribuições para a qualidade da educação, no sentido de que o encontro de alunos da escola com realidades diversas amplia possibilidades de aprendizagem, de socialização e de ampliação de perspectivas.

Da categoria colaboração são evidenciados os artigos de Javaroni, Liberatti e Zampieri (2015), Gama e Nakayama (2016), Tinti e Silva (2021) e Santos, Araújo & Köllin (2013). Estes autores apresentam a colaboração numa perspectiva que se aproxima do que defende as autoras Petteer Koop & Santos Wagner (2003) e Santana (2015), quanto ao ‘trabalhar juntos’ a partir do diálogo como interação problematizadora que favorece uma construção de ações a partir de parcerias entre docentes, universidade e professores da escola e alunos da licenciatura. A análise destas produções permitiu identificar que os autores abordam a questão da formação numa dinâmica da potencialidade do encontro com o espaço da escola pública pautada pela ideia do diálogo e da construção coletiva das ações. Em diferentes perspectivas, trazem a potencialidade da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; e da potencialidade quanto às possibilidades de formação teórico-metodológico dos professores, o que culmina com uma alternativa de desenvolvimento profissional.

Santos, Araujo e Köllin (2013) analisa as contribuições do Programa Extensionista TEIA/UFV na formação dos bolsistas de extensão. Sinalizam o Programa como um espaço pluriversitário por ter as dimensões de articulação com o eixo teórico-metodológico da educação popular, da alternância educativa e da agroecologia, e na articulação do ensino, pesquisa e extensão. Apontam a importância de compreender a "formação" como ação sistemática e conjunta, que envolve ações coletivas do planejamento à avaliação. Da contribuição na formação dos estudantes, trazem a orientação voltada para a atenção aos saberes emergentes; a ruptura com o modelo hierarquizado de relações entre professor e aluno, o que segundo as autoras possibilita aos alunos um maior espaço de interação e autonomia. Outro ponto que destacam é quanto a reinserção dos alunos bolsistas nos seus lugares de origem, possibilitando, para eles, novos olhares sobre suas realidades e uma legitimação dos seus saberes e não um processo de colonização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção e difusão de conhecimentos sobre a extensão universitária, no âmago de seus limites e potencialidades quanto ao encontro com o chão da escola, analisada nesta pesquisa mediante uma RSL, permitiram identificar os desafios para que a extensão universitária, no âmbito dos cursos de formação de professores de matemática, se constitua como campo de resistência à uma política semiformativa que tem fins homogeneizantes e eminentemente mercadológicos.

Buscando identificar, nas ações de extensão, a dinâmica do encontro, da colaboração e da formação, revelada nos artefatos de divulgação científica, foi possível construir uma visão global (considerando que os artigos analisados tinham variadas temáticas) sobre a dinâmica dessa função e, com isso, identificar especificamente um caminho de resistência para a formação inicial e continuada do professor de matemática.

A análise das formas tangíveis de divulgação científica possibilitou abrir portas para reconhecer que novos conhecimentos e novos fazeres, fazem parte da aproximação da universidade com o chão da escola. Nesta, foi possível identificar que a dinâmica do encontro foi pautada, em alguns casos, pela ideia de difusão de ideias científicas; por encontros formativos, com o foco específico na utilização de recursos tecnológicos; por encontros com o foco na formação continuada, apresentando abordagens metodológicas para potencializar o ensino-aprendizagem; por aproximação com temáticas que favorecem uma compreensão e transformação de realidades vivenciadas (a exemplo da aproximação com políticas públicas e com temas que envolvem questões sociais e culturais), e, ainda, que este encontro favorece a retroalimentação entres as funções da universidade e a aproximação entre grupos de pesquisa, alunos de iniciação científica, de Estágio e de programas interinstitucionais.

Dos fazeres, no campo da formação inicial de professores que ensinam matemática, foi possível reconhecer que, embora haja um encontro e aproximação com o chão da escola, faz- se necessário reconhecer que: há uma reduzida abordagem dos aspectos teóricos do conhecimento matemático interrelacionando-os às questões sociais, éticas e ambientais ; há um direcionamento aos aspectos relacionados à prática pedagógica do ponto de vista metodológico e dissociado das relações que foram possíveis construir no encontro vivenciado . Estes, compreendo como um desafio em que a superação implica uma abordagem mais detalhada nos artefatos de divulgação científica e uma centralidade dada a um posicionamento crítico da ação desenvolvida.

Um caminho de resistência passa por uma formação que possibilite compreender o significado das dimensões profissionais que estão elencadas nos normativos que norteiam a política de formação docente. Qual o verdadeiro significado da competência que faz referência ao “engajamento profissional”? o engajamento pelo pertencimento à escola, campo de ação? Ou, se um engajamento crítico que possibilite uma reflexão conjunta sobre o papel do conhecimento matemático frente às questões tecnológicas e diante da situação educacional como um todo? Refletir sobre o conhecimento matemático a partir da dimensão reflexiva e sobre as possibilidades de ações colaborativas, interdisciplinares e indissociáveis, seria um passo considerável para formar professores críticos que não sejam operacionalizadores de ações pensadas fora do contexto da escola.

REFERÊNCIAS

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Notas

[1] O Termo Semiformativo é utilizado por Gatti (2019) para caracterizar uma formação voltada à instrumentalização técnica. Para este autor, uma formação em que o pensamento e a consciência crítica são ativados é um grande exercício de resistência. Utilizo o termo por compreender que a BNC-Formação está inteiramente pautada em padrões instrumentalizadores e limitadores do pensamento crítico.
[2] String de Busca do Catálogo de Teses e Dissertações CAPES: Extensão Universitária. Busca realizada em 07 de janeiro de 2021. http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/index.html#!/ aplicando para refinamento áreas de conhecimento: Educação; Ensino de ciências e Matemática e a área interdisciplinar

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